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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Google lança observatório mundial do desmatamento

Google lança observatório mundial do desmatamento

O Google, organizações ambientalistas e vários governos apresentaram nesta quinta-feira (20) uma sofisticada base de dados para fazer um acompanhamento do desmatamento no mundo, com a expectativa de intensificar a luta contra um dos principais motivos do aquecimento global.
O site “www.globalforestwatch.org” permitirá observar o desaparecimento de árvores em todo o planeta a partir de imagens em alta resolução com atualizações frequentes. As informações poderão ser consultadas de graça.
A Terra perdeu 2,2 milhões de quilômetros quadrados de florestas entre 2000 e 2012, segundo dados coletados pelo Google e a Universidade de Maryland.
“O problema para reunir os dados não foi a falta de vontade, nem a ausência de leis para regular o desmatamento. O problema é, entre outros, a falta de capacidade para saber realmente o que está acontecendo”, disse Andrew Steer, diretor-geral do World Resources Institute, líder na criação de base de dados.
“Quando o presidente da Indonésia aprovou boas leis para (proteger) as florestas, foi muito difícil para ele saber o que de fato estava acontecendo em tempo real”, declarou Steer a jornalistas.
A base permitirá a qualquer pessoa verificar, através da internet, as florestas protegidas e inclusive as empresas que compram óleo de palma proveniente de plantações ilegais, acrescentou.
O desmatamento desempenha um papel crucial nas mudanças climáticas e nas florestas, que ocupam um terço do planeta, funcionam como depósitos naturais de gases causadores de efeito estufa, que, de outra forma, se dispersariam na atmosfera.
Para montar a base de dados, o Google compilou milhões de imagens de satélite mantidas durante mais de 40 anos pelo Instituto Americano de Geologia.
Rebecca Moore, engenheira da empresa, explicou que a maior dificuldade do projeto foi ‘gerar esta massa de dados’ com um nível de detalhes pertinente e útil.
Os governos da Noruega, da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos também participam da iniciativa. (Fonte: G1)

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Maioria dos brasileiros é contrária aos investimentos feitos para a Copa do Mundo

Maioria dos brasileiros é contrária aos investimentos feitos para a Copa do Mundo



Segundo consulta CNT / MDA, 75,8% discordam dos gastos para viabilizar o evento, enquanto mais de 50% disseram que hoje seriam contra a candidatura do Brasil como país sede

por Redação — publicado 18/02/2014

A maioria dos brasileiros acredita que os investimentos realizados para a Copa do Mundo foram desnecessários e poderiam ter sido melhor empregados em outras áreas, aponta pesquisa feita pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT). Dos 2002 entrevistados para a consulta CNT / MDA, 75,8% discordam dos gastos realizados para viabilizar o evento. Enquanto apenas 13,3% acreditam que os investimentos foram adequados, 7,3% disseram que eles foram insuficientes.
A verba destinada para a construção dos estádios desagradou a 80,2% dos entrevistados. Apenas 17,6% acreditam que o dinheiro destinado á Copa foi empregado da maneira correta, pois ajudará a desenvolver o esporte no Brasil. A descrença com relação às obras de mobilidade urbana também foi maioria: 66,6% das pessoas acreditam que as obras não ficarão prontas a tempo da realização do evento, contra 27,7% que acreditam que estarão finalizadas.
Segundo a pesquisa divulgada nesta terça-feira 18, mais da metade (50,7%) dos entrevistados respondeu que seria contra a candidatura do Brasil como país sede da Copa se a escolha fosse realizada hoje.
Dos entrevistados para a pesquisa, 85,4% acreditam que haverá manifestações durante os jogos. O percentual de pessoas que participaria das manifestações, entretanto, é minoria. Enquanto 15,2% afirmaram que poderiam fazer parte de algum protesto, 82,9% disseram que não farão parte dos protestos, e 1,9% não sabe ou não opinou.
Hexacampeonato. Em relação à confiança de que o Brasil pode ser o campeão da Copa neste ano, (52,6% dos entrevistados acreditam que a Seleção Brasileira conquistará o título de hexacampeão em 2014.
A pesquisa CNT / MDA realizou 2.002 entrevistas com eleitores de 137 municípios de 24 estados brasileiros, e a margem de erro é de  2,2 pontos percentuais para mais ou para menos.

A Venezuela e a luta de classe

A Venezuela e a luta de classe



Na luta cotidiana, Chávez conseguiu uma certa composição com os empobrecidos - historicamente fora de qualquer processo na Venezuela - e a classe média, contando ainda com algum apoio empresarial. Uma tênue composição de classe que nunca perdeu sua tensão.
18/02/2014
Por Elaine Tavares
Janeiro de 2006. É final de tarde na turbulenta Caracas. O bar próximo ao imponente teatro Tereza Carreño fervilha de gente atrás das famosas "arepas", um sanduíche típico do país feito com milho moído. Ali encontramos Rosália, prostituta, mãe de três filhos já grandes. Espera a hora para entrar no teatro, coisa que iria fazer pela primeira vez, junto com mais duas amigas. Iam ver uma exposição de fotos sobre mulheres caraquenhas, promovida pelo governo venezuelano. “Nós nunca tivemos acesso à nada por aqui. Agora, com Chávez, temos. Podemos ir ao teatro, ler - os livros são distribuídos de graça - e nós mesmos criar cultura. Imagina quando que uma mulher como eu, antes, iria entrar no Tereza Carreño?”
Rosália, assim como as amigas que bebericam uma cerveja, morreriam por Chávez. Fazem parte daquele grupo de pessoas que sempre foi invisível na grande cidade, e que, naqueles dias, no auge da revolução bolivariana, se sentiam protagonistas da sua história. “A gente trabalha na missão Barrio Adentro, temos de trabalhar para ajudar o país. Chávez convocou e a gente vai”. As missões são a forma de organização com a qual a população Venezuela conseguiu ir se encarnando na vida das gentes. 
Do outro lado da cidade, no bairro de Altamira, a realidade parece ser completamente outra. É o centro da vida da elite caraquenha, reduto da riqueza. Ali as ruas são vazias, não há o burburinho das zonas populares, proliferam os prédios e os esterilizados centros de compras. As mulheres que circulam bem vestidas e maquiadas são bem diferentes de Rosália. Nunca foram barradas no teatro mais importante da capital e tampouco, hoje, participam das missões para melhorar o país. Fazem parte do grupo dos “esquálidos”, oposição ao governo.
Em alguns lugares até é possível ver a bandeira dos Estados Unidos tremulando, numa mensagem bem clara sobre quem eles admiram. Não querem saber de Chávez e de seus planos de tornar a Venezuela soberana. Três estações do metrô adiante, surge o bairro Sabana Grande e, ali, tudo fica "patas arriba". Como num passe de mágica, outra Caracas surge. Não mais as ruas  clinicamente limpas, os enormes outdoors, os prédios clarinhos, os carros importados, os centros comerciais, as gentes bem vestidas. O que se vê são calçadas tomadas por uma infinidade de barracas de lona do mercado informal. As ruas estão sujas, há lixo nas esquinas e as pessoas comuns estão envolvidas em outra marcha: a da sobrevivência.
O grande bulevar da Sabana Grande é o retrato da vida real. Nele vicejam os hotéis de encontros fortuitos, os mendigos, alguns garotos e garotas drogados e mais e mais barracas onde se vende tudo o que há. Mais adiante, na direção da periferia, desaparecem os toldos de lona e surgem as imensas comunidades de tom marrom, que se espalham pelos morros, cheias de barracos de tijolo ou lata. É gritante a divisão das duas Caracas, o que torna mais compreensível a guerra ideológica e utópica travada nas ruas. Nos bairros ricos e limpinhos as pessoas lutam para manter a vida pequeno burguesa, aparentemente protegida, que o dinheiro pode comprar.
Nos bairros degradados e na periferia as gentes lutam por mudanças concretas que as levem para uma vida digna, de riquezas repartidas. Essa dicotomia de projetos é tão visível e densa que quase se pode tocar com as mãos. 
A batalha para consolidar o bolivarianismo 
Passados oito anos da viagem à Venezuela, muitas são as mudanças na vida dos dois grupos que se enfrentam cotidianamente por um projeto de país.
Naqueles dias, a promessa de transformação era soberana. Chávez vencia, eleição após eleição, os golpes que a direita entreguista perpetrava. As missões floresciam e as gentes construíam um novo país. Hoje, a Venezuela está golpeada. A morte de Chávez, no ano passado, pouco antes de assumir mais um mandato, foi um baque duro demais. Ainda que a organização popular tenha crescido e se fortalecido, sempre foi inegável o impacto de Chávez na vida de toda aquela gente que assomou em 1998 como protagonista da nova Venezuela.
Ele era a alavanca que provocava o empuxo  para a frente, sempre para a frente. Muitos foram os avanços populares no país durante os anos de governo bolivariano. A educação, a saúde, a moradia, tudo melhorou para os que eram os mais empobrecidos. Mas, havia um grande desafio a ser vencido: sair da armadilha da dependência do petróleo. Desde sempre, por sua riqueza petrolífera, a Venezuela baseava toda sua economia nesse setor.
A revolução bolivariana tinha, então, que recuperar o país para a produção. Havia que incentivar a indústria nacional, a produção de alimentos. O país estava refém das importações. Tudo o que se consumia vinha de fora. E esse foi o caminho que começou a ser palmilhado. Desenvolvimento endógeno. Uma tentativa de substituição de importação. Mas, o processo venezuelano não foi um processo revolucionário aos moldes ortodoxos, de vitória armada, com o aplastamento do "inimigo". A proposta bolivariana se deu nos marcos da democracia, com eleição, plebiscitos, referendos. Isso significa que, ao longo do tempo, a oposição esteve sempre organizada e atuante, disputando no mesmo terreno.
E tanto atuava em liberdade que chegou a tramar e levar a cabo um golpe de estado em 2002, sequestrando o presidente Chávez, e mentindo para o povo que ele havia renunciado. Só que a população organizada ocupou as ruas e recuperou o presidente, bem como a retomada do processo democrático. O golpe foi debelado, mas os golpistas continuaram agindo, livremente, para derrubar a proposta bolivariana, que nada mais é do que distribuir a riqueza, garantir soberania e construir a integração da pátria grande . Assim, esse embate se manteve nos 13 anos de governo de Chávez.
Quando algumas coisas começavam a andar, lá vinham os golpistas com alguma armadilha e tudo tinha de parar. Ao longo desse tempo várias eleições foram realizadas, uma nova Constituinte foi promulgada, tudo com muito debate e envolvimento popular. Eventos políticos de abissal importância que mobilizavam as gentes, mas que, de alguma forma, paravam a máquina das mudanças prosaicas, essas que precisam se dar no dia a dia. Assim, com o passar do tempo e com tantos entraves para as mudanças, o projeto de um desenvolvimento endógeno não conseguiu decolar com a força necessária. O petróleo seguiu dando as cartas e a mesma elite que antes enriquecia com a importação de bens e alimentos, seguiu atuando no mesmo setor. 
Na luta cotidiana, Chávez conseguiu uma certa composição com os empobrecidos - historicamente fora de qualquer processo na Venezuela - e a classe média, contando ainda com algum apoio empresarial. Uma tênue composição de classe que nunca perdeu sua tensão.
A crise e os desafios para o futuro 
Desde a última eleição para a presidência, quando Chávez já estava doente, a direita venezuelana colocou em campo todos os seus trunfos.
Apostando em lideranças jovens e agressivas, fortaleceu o discurso de que a Venezuela estava indo para o abismo e que era hora de retomar as rédeas do país. É claro que esse abismo estava sendo fortalecido por essa mesma elite que hoje sonha em retomar o controle das riquezas do petróleo.
Uma elite que não aceitou a proposta do desenvolvimento, que seguiu apostando na dependência dos Estados Unidos  - financeira e política - e prefere manter a Venezuela como no passado: com uma massa gigantesca de pobres e um pequeno oásis onde só ela possa usufruir das riquezas. E, já naqueles dias, quando Chávez ainda administrava o país, se podia perceber algumas rupturas na aliança de classe que ele lograra formar.
Economicamente, o governo teve de continuar emitindo dólares para realizar as importações necessárias ao consumo interno e isso só fez fortalecer uma camada empresarial que comanda esse setor. Hoje, é essa força que assume a dianteira na tentativa de retomada de controle por parte da direita. Mas, a grande batalha segue sendo pelo controle do petróleo.
Não há, nos planos da elite que chama para a rua as forças contrárias ao governo bolivariano, qualquer intenção de melhorar a vida da maioria da população, hoje acossada com uma grave crise econômica e desabastecimento.  Por outro lado, o governo, comandado por Nicolás Maduro, não está conseguindo tomar as medidas econômicas que poderiam dar outro rumo à Venezuela.
O economista Heinz Dieterich, que tem sido um duro crítico do governo bolivariano - desde os últimos anos de Chávez - diz que os dois atos de Maduro para conter a crise, a lei orgânica do preço justo e o plano de paz e convivência, são medidas paliativas que mais tarde se verão inúteis diante do colapso. Para ele, há que tomar os rumos da economia, sob pena de perder o controle do estado. 
Agora que a direita mostra os dentes de novo, com força redobrada, o governo bolivariano está numa encruzilhada. Mais uma vez se coloca o problema da composição de classe. Parte da burguesia que estava apoiando o processo bolivariano vai sendo cooptada pelo grupo que busca retomar o controle do país. Não se tem muito claro qual a posição das Forças Armadas nesse momento da crise.
Em 2002, quando do golpe de estado por parte da elite predadora, a escolha das Forças Armadas em proteger o processo bolivariano e seguir apoiando a proposta de soberania, foi decisiva para que, apoiadas no povo reunido nas ruas do país a gritar pelo cumprimento da Constituição, ajudassem a garantir a volta de Chávez. Ainda segundo Heinz Dieterich, as Forças Armadas venezuelanas são hoje a força fundamental para garantir a continuidade do bolivarianismo e do poder popular.
Para ele, essa aliança entre militares, vanguardas e povo é a única que pode constituir um consenso capaz de recuperar o tecido social e ultrapassar a crise. Mas, para além dessa  união necessária, são urgentes medidas econômicas que recoloquem a economia nos eixos e permitam a Venezuela retomar seu processo de desenvolvimento endógeno. Uma batalha difícil, mas que pode ser travada com a ajuda também dos países parceiros, unidos na própria ideia bolivariana de integração. A luta de classes recrudesceu outra vez na Venezuela.
As alianças estão rotas e precisam ser reforçadas para que sobreviva o grande legado da QuintaRepública: poder ao povo, democracia participativa e soberania. A batalha recomeça. Para pessoas como Rosália, vencer essa luta é decisivo para garantir a sobrevivência de milhares de pessoas que, tal qual ela, conquistaram um espaço real de decisão dentro da revolução bolivariana. Já para o pequeno grupo de moradores de Altamira, vencer é retomar o controle das riquezas para ficarem ainda mais ricos do que já são. Projetos radicalmente diferentes.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Órgão da ONU cita Brasil em lista de eventos climáticos extremos

Órgão da ONU cita Brasil em lista de eventos climáticos extremos

Em relatório divulgado na sexta-feira (14), a Organização Meteorológica Mundial (WMO, na sigla em inglês) citou o Brasil na lista de eventos climáticos extremos ocorridos em algumas partes do mundo desde dezembro no ano passado e nos dois primeiros meses deste ano.
O órgão destacou a onda de calor prolongada no país. No texto, a WMO diz que partes do Brasil tiveram o janeiro mais quente da história. Além do Brasil, o órgão recorda o período de calor incomum registrado na Argentina, na Austrália e na África do Sul.
A WMO ressalta ainda que grande parte dos Estados Unidos sofre com ondas de frio e nevascas durante o inverno, enquanto o estado da Califórnia enfrenta seca. Além disso, cita as fortes chuvas que provocaram inundações no Reino Unido.
Estados Unidos – Janeiro foi considerado o mês mais frio desde 1994 em grande parte dos EUA; o país foi atingido ao menos duas vezes pelo vórtice polar, fenômeno do Círculo Polar Ártico que sofreu alteração em sua dinâmica de circulação e permitiu que massas de ar circunscritas ao Ártico atingissem latitudes mais baixas. Nova York registrou -38ºC em janeiro.
Nevascas surpreenderam cidades do sul do Texas, Louisiana, Mississippi, Alabama e Flórida. A Georgia, estado conhecido por ter um inverno ameno e temperaturas altas no verão, registrou em fevereiro a pior tempestade de neve desde janeiro de 2000, quando o estado teve prejuízo de US$ 48 milhões.
Na Califórnia, o estado declarou situação de emergência por causa da seca que pode ser a mais intensa em cem anos; reservatórios de água atingiram 38% de sua capacidade (a média histórica é de 57%); somente em janeiro, foram registrados 150 incêndios no estado (foram 25 em janeiro de 2013).
Brasil - Em 2013, alguns estados da Região Nordeste tiveram o pior período de estiagem dos últimos 50 anos; 75% dos municípios nordestinos decretaram situação de emergência, segundo o governo federal.
Desde dezembro, uma massa de ar quente e seco estacionou sobre as regiões Sul e Sudeste e impediu a chegada de frentes frias, deixando o tempo quente e seco. Fenômeno como esse já foi visto no país em 2001, segundo meteorologistas.
Em 2014, São Paulo teve o janeiro mais quente desde 1943; no começo de fevereiro, Porto Alegre marcou a maior temperatura dos últimos 71 anos (40,5°C) e a sensação térmica no Rio de Janeiro chegou a 57°C.
Argentina - Em dezembro, o país registrou ao menos sete mortes causadas pela forte onda de calor que atingiu grande parte do território.
A temperatura alcançou 45°C em algumas cidades do norte. Meteorologistas afirmaram que foi a pior onda de altas temperaturas no país em 40 anos.
Itália - No começo de 2014, Roma teve uma das mais fortes nevascas desde os anos 1980, que fechou locais turísticos como o Coliseu. O frio intenso causou interrupções nos transportes ferroviário e rodoviário, especialmente em regiões montanhosas, onde os serviços de emergência tiveram dificuldades para chegar a vilarejos isolados. Prédios do país foram evacuados por medo de que a neve acumulada sobre eles pudesse fazê-los desabar.
Reino Unido – Entre dezembro de 2013 e fevereiro de 2014, as chuvas que atingiram a Grã-Bretanha causaram ao menos sete mortes, inundaram 5 mil propriedades e destruíram ferrovias. Segundo a agência climática britânica, Met Office, a tempestade pode ser a pior em 250 anos.
Áreas que ficam próximas do Rio Tâmisa, em Londres, foram afetadas pela maior inundação em 67 anos. Ondas que ultrapassam os dez metros de altura atingiram a costa britânica nos últimos dias.
Rússia - Enquanto Yakutsk, no leste da Rússia – considerada a cidade que registra as menores temperaturas mínimas no mundo – registrou -47°C em 5 de fevereiro, Sochi, no sudoeste do país, pode deter o recorde de ser a cidade que sediou as Olimpíadas de inverno mais quentes de todos os tempos. Os termômetros por lá registraram 18°C em fevereiro.
Israel - Em janeiro, Jerusalém registrou a pior tempestade de neve dos últimos 20 anos. A nevasca fechou o transporte público, estradas e escolas da região norte de Israel, na fronteira com o Líbano.
Em alguns lugares, o acúmulo de neve chegou a 30 centímetros de altura.
Paquistão - Em agosto de 2013, o país foi atingido por fortes chuvas das monções que afetaram 770 localidades e atingiram mais de 30 mil pessoas. Ao menos 108 pessoas morreram. Enchentes inundaram algumas das principais estradas na cidade portuária, varrendo casas na província de Khyber Pakhtunkhwa no noroeste.
China - Segundo o serviço meteorológico do país, o inverno é o mais frio dos últimos 28 anos. Na maioria do território chinês, a temperatura média registrada foi de 3,8°C. No nordeste do país, nevascas fizeram a temperatura atingir -15,3°C, a menor em 42 anos. Em algumas regiões próximas à Mongólia, os termômetros registraram -40ºC.
Japão - Em janeiro, Tóquio sofreu a nevasca mais forte dos últimos sete anos e aeroportos do país tiveram que cancelar voos devido a fortes rajadas de ventos. A região de Yamanachi registrou mais de 40 centímetros de neve. Mais neve caiu em fevereiro, provocando transtornos e deixando mortos e feridos.
Filipinas - O país foi atingido em novembro pelo tufão Haiyan, considerado o mais forte já registrado na região, que deixou um rastro de destruição, matou mais de 6 mil pessoas e deixou 1.800 desaparecidos.
Os ventos chegaram a 315 km/h e os prejuízos passam de R$ 2,3 bilhões, segundo o governo filipino.
Austrália - Uma extensa onda de calor atingiu grande parte do país, que registrou em algumas regiões temperaturas acima de 50°C. Também contribui para o calor a irregularidade nas chuvas. Incêndios acometem parte do território australiano. Segundo cientistas, 2013 foi o ano mais quente desde 1910 no país, quando começou a ser feito o registro de temperaturas do país.

Cânions em SC foram formados há 150 milhões de anos

Cânions em SC foram formados há 150 milhões de anos

Os Aparados da Serra são as encostas verticais no Sul do Brasil. A região, conhecida pelos cânions, foi chamada assim por tropeiros porque as encostas parecem ser aparadas à faca. Nesta região, divisa entre o Sul de Santa Catarina e o Rio Grande do Sul, fica localizado o Parque Nacional Aparados da Serra Geral.
O local é uma unidade de conservação criada em 1959, com área estimada de 10.250 hectares. Em Santa Catarina, a entrada pode ser feita por duas trilhas: a do Boi e a do Malacara, que leva para dois cânions diferentes. O acesso é pela Rodovia SC-450, no município de Praia Grande.
A parte superior do planalto pertence ao estado do Rio Grande do Sul, enquanto os paredões e vales, a Santa Catarina. No lado catarinense, o relevo é acentuado, com montanhas e abismos que recortam a borda do planalto, interrompendo bruscamente o imenso e levemente ondulado platô gaúcho. Mas é do lado do Rio Grande do Sul que é possível ver os vales profundos de Santa Catarina. Uma área de mais de 30 mil hectares repleta de belezas e muita biodiversidade.
Os cânions foram formados há mais de 150 milhões de anos, com a ação de vulcões, do sol, da chuva e dos ventos. “Erosão, provocada por fissuras, rachaduras dessas grandes rochas, onde a água se infiltrou e começou a abrir essas fendas que hoje são os grandes cânions. Tanto que é um movimento ainda dinâmico”, explicou o analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) Magno Severo.
“A geografia aqui é tão peculiar que a gente tem uma diferença grande de ecossistemas e climas. Inclusive aqui em cima a gente tem clima temperado, lá embaixo, a gente tem clima tropical. Gera uma diversidade biológica natural muito grande”, afirmou Lúcio Santos, também analista do ICMBio.
Os recursos hídricos também são destaque na região. “Nós temos aqui uma grande concentração de nascentes de pelo menos três bacias hidrográficas. Mampituba, por exemplo. A gente tem a bacia do Taquari-antas, que drena para o Guaíba e a Lagoa dos Patos, vai sair no Rio Grande do Sul. E, ao Norte, nós temos a bacia do Araranguá”, explicou Lúcio Santos.
O maior cânion e o mais famoso é o de Itaimbezinho, que em tupi-guarani quer dizer “pedra cortada”. São paredões que chegam a mais de 700 metros de altura. Pela trilha do rio do boi é possível ter uma visão diferenciada do local. São 16 quilômetros e aproximadamente 10 horas de caminhada sobre o leito do rio. Segundo especialistas, o Itaimbezinho fica entre paredões de até 720 metros de altura.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Andar de bicicleta é uma decisão política

Andar de bicicleta é uma decisão política



Um dos criadores da massa crítica, o ativista diz que a escolha de andar sobre duas rodas pode servir para questionar a lógica capitalista, mas não é suficiente para isso

por Piero Locatelli — publicado 13/02/2014
Chris Carlsson
Ativista está no Brasil para lançamento do seu livro Nowtopia

Em 1992, Chris Carlsson se juntou a alguns amigos para andar de bicicleta na Market Street, a principal rua de São Francisco, nos Estados Unidos. Eles ocuparam a via e se tornaram o próprio trânsito no lugar dos carros que a ocupavam. Com aquele ato, eles começaram o movimento conhecido como massa crítica, que se espalhou para o mundo inteiro. No Brasil, ele é conhecido principalmente como bicicletada, quando diversas pessoas tomam uma via importante da cidade sem lideranças e trajetos impostos, assim como Carlsson fez há vinte anos.
Carlsson conversou com a CartaCapital em visita a São Paulo nesta semana. Ele está no Brasil para participar do III Fórum Mundial da Bicicleta, em Curitiba, e lançar o seu livro Nowtopia - Iniciativas que estão construindo o futuro hoje (Tomo Editorial). No livro, ele defende que o ciclismo, hortas comunitárias e a cultura do “faça você mesmo” contribuem para formar uma sociedade que supere o capitalismo. Com uma abordagem marxista, Carlsson acredita que estas atitudes podem ajudar a classe trabalhadora a se emancipar do trabalho assalariado e ter uma vida melhor e mais saudável. Leia a entrevista abaixo:
CartaCapital: O senhor fez parte do começo da massa crítica há vinte anos em São Francisco. Hoje, há grupos como este em todo o mundo, o número de ciclistas urbanos tem aumentado e grandes cidades têm políticas públicas voltadas para a bicicleta. O senhor imaginava o desdobramento que a massa crítica teria?
Chris Carlsson: Não  imaginava. Nós começamos com uma comunidade de amigos, porque não havia tantas bicicletas assim em São Francisco. A primeira massa crítica que fizemos tinha cinquenta pessoas. Nós subimos a rua principal da cidade, viramos à esquerda e entramos em um bar. Só isso, foi uma coisa bem simples. Mas deste ato surgiu uma bola de neve, e a massa crítica se tornou um fenômeno global que mudou cidades em todo o mundo, incluindo São Paulo.
CC: Por que  o senhor acha que o movimento se espalhou desta forma?
Carlsson: O entendimento mais óbvio é a partir do slogan “isso já estava na cabeça de todos”. Assim que você diz a um ciclista: “em outra cidade eles encheram a rua de bicicletas e voltaram para casa”, o primeiro pensamento dele será: “nossa, vamos fazer isso aqui!” Na lógica de ser tratado como um cidadão de segunda categoria nas ruas, a resposta do ciclista só poder ser feita  por meio de uma ação coletiva, com ocupação e reabilitação das ruas.
CC: Não há algo como uma organização central de massas críticas e bicicletadas. Cada movimento se organiza e manifesta de formas diferentes, e ambos os termos são guarda-chuvas para diversos movimentos. Como você acha que a ideia de massa crítica é utilizada pelas pessoas que a organizam?
Carlsson: O uso diferente acontece. As pessoas chamam alguns protestos de massa crítica quando vão a um protesto de bicicleta, mas isso não é a massa crítica: é um protesto de bicicletas. Mas eu não me importo, o conceito não é meu e as pessoas fazem o que quiserem dele.Para mim, a massa crítica é um evento sem outras razões. Ela não é instrumentalizada, você não a usa para atingir outra coisa. Mas naquele espaço você pode começar a fazer outras coisas.
É como uma incubadora de ovos aonde eles vão chocando. Tudo que você pode pensar já começou numa massa crítica: novas campanhas, grupos políticos, amizades, negócios, famílias, e por aí vai.  A melhor coisa é que a massa crítica deu a todo um setor da população a chance de achar outra maneira de fazer política.
CC: Você vê a bicicleta como uma ferramenta anticapitalista. Porém, ela ganhou espaço em propagandas e é um objeto de consumo. Em cidades como Londres, São Paulo e São Francisco, os bancos administram as bicicletas chamadas de “públicas”. Diante dessa absorção dela por empresas, a bicicleta ainda pode ser uma ferramenta de transformação contra o capitalismo?
Carlsson: Só a bicicleta não é suficiente. A bicicleta, por si só, não é interessante. Ela é um meio de transporte e um produto industrial. A história dela também é a história da escravidão na Amazônia e no Congo, em busca de borracha para fazer bicicletas para o hemisfério norte.  Já a história contemporânea da bicicleta no século XX é a da resposta a automobilização das cidades, e isso pode ser uma resposta para fazer algo diferente na cidade.
A bicicleta é um meio de transporte em seu senso literal. Ela ajuda as pessoas a chegarem do ponto A ao ponto B, e isso é uma simples realidade apolítica. Mas a pessoa pode decidir se vai de trem, carro, ônibus, andando, pulando ou voando ao ponto B. E existe política nessa decisão.
Então o real transporte que a bicicleta pode fazer politicamente é levar você para outra maneira de viver. E isso não acontece automaticamente. Isso necessita um contexto e um pensamento político. A bicicleta é um objeto em que você pode despejar sentido, como você coloca um líquido em um copo. E o sentido vem das nossas cabeças, das nossas decisões. Se não colocarmos o sentido político nela, ela é só um objeto chato, perfeitamente compatível com o capitalismo.
Além disso, você pode ter uma sociedade capitalista baseada em bicicletas. O problema é que a sociedade capitalista é baseada no crescimento, e não vai crescer tão rapidamente porque não estão desperdiçando tantas coisas quanto com carros. Então as bicicletas são um passo atrás na lógica capitalista, mas não um passo completo.
CC: E você acha que a maioria dos ciclistas preenche a bicicleta com este sentido anticapitalista?
Carlsson: A maioria não. Mas uma coisa interessante que pode acontecer é que, pedalando na massa crítica, as pessoas conversem com outros ciclistas que fazem política, ou que estiveram pensando sobre isso. Porém, isso não acontece sempre. Há ciclistas organizados em torno de lojas de departamento, e até pela polícia. Quando a bicicleta está em um processo mais aberto, como a massa crítica, ela tem mais chances de ser parte de um processo de mudança social e pessoal.
CC: Seu livro trata de exemplos norte-americanos de ciclistas, hortas comunitárias e outras formas de ativismo. No Brasil, apesar da maior parte dos ciclistas estarem em cidades menores e nas periferias das metrópoles, o ativismo é atrelado a pessoas de bairros mais ricos. O mesmo acontece com a permacultura em São Paulo, por exemplo. As experiências citadas no livro podem ajudar as pessoas menos favorecidas de uma sociedade desigual como a brasileira?
Carlsson: Algumas pessoas estão tão desesperadas para manter sua sobrevivência que passam cada minuto da sua vida trabalhando, e não têm tempo para fazer mais nada. Isso pode significar sair da periferia de São Paulo e deslocar-se 60 quilômetros por dia. Trabalhar 14 horas, ficar quatro no trânsito, dormir seis horas e começar tudo isso de novo. É uma vida muito difícil, próxima à escravidão. Nós, que não vivemos assim, temos muita dificuldade de entender.
Porém, essas pessoas podem decidir fazer uma parte dessa jornada de bicicleta, decidir trocar o que fazem. Elas ainda têm livre-arbítrio. Elas podem tentar plantar comida perto da sua casa, e com isso depender menos de fazer dinheiro. Um pouco, não muito, é claro. Elas também podem cooperar com seus vizinhos, pois eu acredito que as sociedades pobres têm mais solidariedade que nós, que é uma chave para a sua sobrevivência.
Sempre há uma margem para reduzir a necessidade de dinheiro e aumentar a relação com o bem comum. Todo mundo, em qualquer situação, pode fazê-lo se decidir isso.
CC: O senhor fala que os sindicatos são formas de organização obsoletas para os trabalhadores. Qual  é o papel das organizações de trabalhadores dentro da sua ideia de mudança?
Carlsson: O problema que eu tenho com os sindicatos é que eles desistiram de questionar o que fazemos há muito tempo. Eles não se importam, eles só querem trabalho. Fazer estradas horríveis, construir prédios em todos os cantos, colocar cimento na nossa terra, o que for. Por que estamos fazendo este trabalho estúpido? Trabalhando em bancos, companhias de seguro, fazendo coisas que vão quebrar em seis meses.
Nós fazemos muitas coisas estúpidas, e os sindicatos não se importam com isso. Não é parte da lógica em que eles foram fundados. A lógica é só ganhar mais dinheiro para os trabalhadores, e defendê-los em seu próprio trabalho. Eles deveriam começar a pensar em como vivemos, os problemas que enfrentamos e quais o trabalho que deveriam ser feitos para solucionar este problema.
CC: O senhor defende em seu livro que toda atitude é política, e cita mudanças vinda das mãos ou da organização dos cidadãos, sem interferência do Estado. Qual o papel da política institucional nestas mudanças?
Carlsson: As instituições políticas, os governos e as agências que eles mantêm mostram pouca adaptabilidade na história que vimos até hoje. Aacho que estamos vivendo em um período em que você vai mudar isso.
A repressão que vimos no Brasil em junho do ano passado é um bom exemplo disso, de como o Estado não consegue responder às pessoas se unindo de forma horizontal e indo às ruas. Nós vimos isso também na Turquia, na Espanha, na Grécia e no Egito. E em todas houve uma grande repressão do Estado. Então ele está muito preso nas suas formas antigas, e não mostra uma capacidade de se adaptar.
Certo, mas então se uma revolução vier, o que isso significa? Eu acho que poderiam surgir instituições que ajudariam as pessoas a cuidar das coisas, de baixo. Uma democracia efetiva, não somente votar para pessoas no Estado. Uma democracia que permita as pessoas decidirem como gastamos os recursos, como vamos prover água e eletricidade, como trabalhamos e para o quê.

A aventura do velho terrorista

A aventura do velho terrorista



O autor do mais espetacular atentado do ETA, Ignacio Suescun Jauregui, fala pela primeira vez com um jornalista

por Billy Culleton — publicado 14/02/2014
Ignacio Suescun
"Hoje posso dizer que uma das maiores conquistas do ETA foi impedir a perpetuação da ditadura franquista."

O inusitado voo de um carro por ­cima de um prédio de seis andares, no centro de Madri, deu início à ruína da ­ditadura franquista na Espanha. Há exatos 40 anos, em 20 de dezembro de 1973, a explosão de 100 quilos de dinamite, colocados sob o asfalto de uma rua central da cidade, provocou a morte do então presidente ­espanhol Luis Carrero Blanco, candidato a suceder Francisco Franco. O carro do presidente passava pelo local e todos os passageiros voaram para o céu.
Considerado o mais impactante atentado cometido pelo grupo separatista ETA, o ato desestabilizou o regime ditatorial que dominava o país ibérico com mão de ferro havia quase quatro décadas e favoreceu o retorno à democracia poucos anos depois, impulsionado também pela morte do octogenário Franco em 1975.
Instantes depois da explosão, os responsáveis pelo atentado, o “etarra” Ignacio Suescun Jauregui e mais três companheiros, esconderam-se no porão de uma residência na periferia de Madri, de onde só sairiam 120 dias depois, para escapar do país e se exilar na França.
Durante os quatro meses de preparação do ataque, Jauregui foi encarregado pela cúpula do ETA de distribuir tarefas para 20 jovens que se envolveriam diretamente no atentado. Todos oriundos do País Basco.
Parte do grupo alugou uma casa na capital espanhola, de frente para a rua onde Carrero Blanco costumava passar diariamente. O objetivo era abrir um túnel que chegasse até o meio da via, onde seriam colocados os explosivos. Para não chamar a atenção da vizinhança, apresentavam-se como estudantes de arquitetura, sendo um deles “escultor”. Ao carregarem uma grande pedra para dentro da residência, cuidaram de espalhar a informação de que estava destinada a se transformar em obra de arte, moldada a golpes de martelo. Na verdade, o ruído da operação pretensamente michelangiolesca servia para encobrir o barulho da escavação.
Enquanto uns trabalhavam embaixo da terra, Jauregui foi designado para acompanhar todos os passos do presidente: confirmaram a sua impecável rotina diária. Saía de casa e participava de uma missa, às 9 horas, numa igreja próxima. Depois se dirigia ao seu gabinete, passando pela Rua Claudio Coello. O “etarra” chegou a frequentar a missa e comungar a uma mínima distância de Carrero Blanco.

O comando do ETA levantou a hipótese de assassiná-lo na igreja, mas logo percebeu-se que os seguranças impediriam a fuga dos atentadores.
“Era inacreditável que o presidente se expusesse dessa forma”, conta Jauregui, hoje com 64 anos. Ele vive em San Sebastián, no País Basco, desde que retornou ao país, em 1979, graças à anistia geral que beneficiou os dois lados da guerra, rebeldes e franquistas.
Ao falar pela primeira vez a um meio de comunicação, Jauregui considera que, atualmente, não há mais clima para as demandas de outrora. A dependência econômica com relação à Espanha seria o principal motivo para a desistência dos sonhos da criação de um País Basco. A sigla ETA significa “Pátria Basca e Liberdade”.
Enquanto fuma um cigarro atrás do outro, Jauregui se orgulha de ser um dos fundadores do grupo que defendia a independência da região e cuja cultura é absolutamente diferente do resto do país, a começar pelo idioma, o Euskera, um dos mais antigos da Europa. Atualmente ensinada nas escolas e universidades da região e falada rotineiramente por metade da população, a língua original tem vez em todos os lugares públicos, onde as informações são escritas em espanhol e basco.
Bombas e assassinatos de lideranças fizeram a história do grupo terrorista, que dizia representar a vontade de quase 3 milhões de habitantes do País Basco, cujo território equivale à metade do estado do Rio de Janeiro. Jauregui justifica a luta violenta do ETA pela opressão vivida por seu povo durante o franquismo, entre 1938 e 1975.  Franco, depois de vencer a guerra civil e tomar o poder, suspendeu qualquer manifestação ou ato que remetesse à cultura local. Entre as restrições, a proibição de falar o idioma basco, acompanhada por uma profunda discriminação social. Durante a guerra (1936-1939), o generalíssimo mandou lançar bombas incendiárias na região e uma das batalhas mais cruentas ficou imortalizada no quadro Guernica, de Pablo Picasso, a representar a brutalidade do ataque.
Décadas de constante repressão à cultura basca provocaram a revolta da população, que na sua maioria apoiou a formação do grupo extremista. A violência do ETA desencadeou, porém, forte sentimento de rejeição na Espanha. Em 43 anos, a ação da organização desdobrou-se em centenas de atentados, com um balanço de 850 mortos. Desacreditado, em outubro de 2011 o grupo anunciou o fim da luta armada.
“Hoje posso dizer que uma das maiores conquistas do ETA foi impedir a perpetuação da ditadura na Espanha. O assassinato de Carrero Blanco evitou centenas de outras mortes promovidas por Franco, o maior sanguinário da história da Espanha”, enfatiza Jauregui. Ele lembra que, com a retomada da democracia, a Constituição espanhola de 1978 concedeu certa autonomia à região basca, reconhecendo sua especificidade histórica, cultural e linguística.
Embora renegue parte do seu passado, ele mantém a ironia de um fora da lei. Ao comentar sobre a relação com suas duas ex-esposas, com quem teve três filhos, já adultos, foi categórico: “Velho terrorista não paga pensão!”

EUA, Reino Unido e França acusam Assad por fracasso nas negociações de paz

EUA, Reino Unido e França acusam Assad por fracasso nas negociações de paz



Atualizado em  16 de fevereiro, 2014
Em 3 anos de guerrra, 140 mil pessoas morreram e 9,5 milhões foram obrigadas a fugir
Após uma nova rodada de negociações de paz sobre a Síria terminar sem nenhum avanço concreto, os governos dos Estados Unidos, França e Reino Unidos acusaram o regime do presidente sírio Bashar al-Assad de travar as discussões em Genebra.

“Nenhum de nós está surpreso por as negociações estarem sendo complicadas. Estamos em um momento difícil. Mas todos nós deveríamos concordar que a obstrução por parte do regime de Assad tem tornado ainda mais difícil obter algum progresso”, disse o secretário americano de Estado, John Kerry.
Segundo ele, o governo bloqueia as discussões ao mesmo tempo em que intensifica os ataques contra a população, seja com bombas ou a obrigá-los a morrer de fome.
“Não há recesso no sofrimento do povo sírio. Por isso, as partes envolvidas e a comunidade internacional precisam usar esse recesso em Genebra para determinar qual a melhor maneira de usarmos esse tempo para encontra uma solução política para essa horrenda guerra civil.”
Os debates chegaram ao fim após os negociadores do governo se recusarem a discutir sobre a formação de um governo transitório.
Kerry pediu aos apoiam o regime de Assad para que o pressionem para que haja a criação de um governo de transição e fez um alerta, dizendo que eles terão de lidar com as responsabilidades “se o governo continuar com sua intransigência nas negociações e com suas táticas brutais no front.”

Sem data

Os debates que foram finalizados abruptamente neste sábado eram a segunda rodada das negociações de paz.
A primeira aconteceu em janeiro, também em Genebra, e teve como principal desfecho um acordo sobre um cessar-fogo na cidade de Homs, para que os civis que estava há meses cercados pudessem ser retirados.
Os tópicos para o terceiro round de negociações já foram definidos, mas ainda não há data marcada para que ele ocorra.
O fracasso nas negociações também foi criticado pelo ministro das Relações Exteriores britânico, William Hague:
“A responsabilidade por isso (a suspensão nas negociações) recai totalmente sobre o regime Assad”, disse o chanceler, acrescentando que o impasse se deu por Damasco se opor à formação de um governo de transição.
O chanceler francês, Laurent Fabius, disse que o governo sírio “bloqueou qualquer progresso na tentativa de se criar um órgão de transição e ampliou seus atos de terror contra a população civil.”.
Já o principal negociador do governo sírio, Bahsar al-Jaafari, disse que o terrorismo (como o regime de Assad costuma descrever as ações dos rebeldes) precisa ser amplamente discutido antes de se tratar de qualquer outro ponto.

Pedido de desculpas

O mediador da ONU para o conflito sírio, Lakdar Brahimi, se desculpou aos sírios pelo fracasso das negociações.
Segundo Imogem Foulkes, correspondente da BBC em Genebra, toda a frustração do mediador ficou clara quando ele descreveu a fixação tanto do governo como da oposição por seus “assuntos de estimação”.
Os opositores sempre insistiram que o um governo de transição deva ser discutido, enquanto o regime quer falar sobre violência e terrorismo.
“A discussão sobre esses dois temas tem impedido as partes de discutirem qualquer outra coisa: até sobre pequenas medidas que poderiam levar algum alívio para o povo Sírio”, diz Foulkes.
Enquanto o impasse perdura, os conflitos continuam na Síria, onde há relatos de ataques neste domingo na cidade de Yabroud, na fronteira com o Líbano.
Mais de 140 mil pessoas já morreram na guerra síria, desde seu início, em 2011. Mais de 5 mil foram mortas desde o início das negociações de paz, em 22 de janeiro, segundo um grupo de monitoramento do conflito.
A ONU afirma que 9,5 milhões de sírios foram obrigadas a fugir.

Carlos Vainer: Rio promove “limpeza urbana” e será mais desigual em 2016

Carlos Vainer: Rio promove “limpeza urbana” e será mais desigual em 2016




publicado em 30 de janeiro de 2014

Carlos Vainer: “Após megaeventos, Rio será uma cidade muito mais desigual”
por Dario de Negreiros, do Rio de Janeiro 

Discutir e analisar ponderadamente o impacto causado pelos megaeventos nas cidades que brasileiras que lhes servirão de sede é tarefa que, ao menos nesta semana, chega a soar impossível.
Aos manifestantes anti-Copa, há muito que a brutalidade, o abuso e a inconsequência das instituições policiais não constituem novidade. Mas, após os eventos do último fim de semana, aqueles que já há alguns anos sustentam o bordão “Se não tiver direitos, não vai ter Copa” passaram a receber pancadas também de setores que costumam se identificar como progressistas.
O texto de Igor Ojeda (No mundo onde cresci, protestar contra violações é ser de esquerda) e o de Antonio Lassance (Vai ter Copa: argumentos para enfrentar quem torce contra o Brasil) ajudam a desfazer os simplismos e a desmentir as desinformações dos que se situam nos dois lados da polêmica.
Mas talvez ninguém ainda tenha situado a questão de modo tão abrangente quanto o faz o professor Carlos Vainer, do Ippur (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional) da Universidade Federal do Rio de Janeiro. As mudanças de paradigma dos diferentes modelos de desenvolvimento urbano, as novas formas de organização da cidade e os conflitos que delas são decorrentes há muito tempo interessam a Vainer.
Mais recentemente, desenvolveu estudos sobre as grandes intervenções e os grandes projetos urbanos: em São Paulo, analisou a construção da avenida Águas Espraiadas; em Salvador, as alterações promovidas no Pelourinho; no Rio, as intervenções ligadas aos Jogos Panamericanos. Este último levou o grupo de Vainer a se aprofundar no trabalho de avaliação dos impactos dos grandes eventos esportivos internacionais.
Na entrevista abaixo, concedida no último dia 13 no Ippur, na Cidade Universitária da UFRJ, Vainer fala sobre as consequências atuais e vindouras das grandes obras que modificam o cenário urbano da capital fluminense. Mas, mais do que isso, o pesquisador situa estas intervenções nos processos mais amplos das quais elas fazem parte: a vigência de um novo modelo de cidade e de um novo padrão de desenvolvimento urbano, cujo princípio remete ao início dos anos 90.
O diagnóstico, se quisermos, pode ser sumariamente resumido: aprofundamento das desigualdades sócio-espaciais, guetificação das áreas pobres, fim da possibilidade da gestão democrática do espaço urbano, criminalização da pobreza e dos movimentos sociais. Sem contar o legado de violações de direitos humanos sofridas por até 80 mil habitantes do Rio de Janeiro – número que, em outras estimativas, chega à casa da centena de milhar.
Se, para Vainer, algo de positivo pode ser extraído desse cenário, devemos procurá-lo nas reações à insustentabilidade deste modelo. “Toda esta tentativa de despolitização do espaço urbano foi desafiada de maneira evidente pelas milhões de pessoas que foram às ruas e que disseram: ‘esse é um espaço público, um espaço nosso’.”
Um país que, embora intensamente urbanizado, estava acostumado a ver vindos do campo seus principais movimentos sociais, vive a crise do urbano como ocasião de politização de suas cidades. “O Brasil-político se urbanizou e o Brasil-urbano se politizou”.
Em virtude dos acontecimentos dos últimos dias, decidimo-nos por antecipar a publicação desta entrevista. Ela faz parte de uma série de reportagens que o Viomundo fará sobre políticas públicas dos governos estaduais do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco. Também faremos um balanço dos principais programas do governo Dilma. As reportagens são bancadas integralmente pelos assinantes do Viomundo, a quem agradecemos profundamente por promover jornalismo independente e compartilhá-lo generosamente em rede com outros leitores.
***
Viomundo — Professor, o Rio de Janeiro está passando por grandes intervenções urbanas, que muitas vezes procuram vender a imagem da construção de um novo paraíso. Onde o senhor diria que o carioca viverá daqui a alguns anos? Ou seja, quais seriam os resultados das transformações pelas quais passa a cidade do Rio de Janeiro atualmente?
Carlos Vainer – O resultado desse processo é, inexoravelmente, uma cidade muito mais desigual. Haverá cariocas no paraíso e haverá cariocas no inferno. Aliás, essa já é a realidade contemporânea, só que ela está sendo aguçada. O primeiro resultado de todo esse processo – que tem nos Jogos Olímpicos e na Copa um momento de evidenciação, agudização e consolidação – é o aprofundamento da desigualdade.
Viomundo — E a maior parte da população estará no inferno?
A imensa maioria da população. A região metropolitana do Rio tem 12 milhões de habitantes, o município tem em torno de 5,5 milhões. A Barra da Tijuca tem 200 mil habitantes. Compare os investimentos feitos na Barra da Tijuca com os investimentos feitos no resto da cidade. Aí nós vamos ver como é que está sendo construído o paraíso, mas, sobretudo, como estão sendo construídos os eleitos desse paraíso.
Aliás, os verdadeiros eleitos desse paraíso não são nem os moradores dos condomínios da Barra da Tijuca. São os grandes latifundiários urbanos, as grandes empresas, as grandes empreiteiras, os grandes contratados, os grandes parceiros.
Esses são os verdadeiros eleitos. E os eleitos por esse modelo de cidade fraudam, através da corrupção e dos financiamentos de campanha, a manifestação democrática do processo eleitoral.
Mas a primeira coisa que devemos considerar é que as políticas urbanas, os projetos e o padrão de desenvolvimento urbano vigentes no Rio de Janeiro não se iniciaram hoje. Se formos buscar suas origens, temos de ir pelo menos ao primeiro governo do ex-prefeito César Maia (1993-1996). Se nós pensarmos em perspectiva histórica, nós estamos desde 1992 sob a égide de um mesmo projeto e concepção de cidade.
Depois do César Maia, tivemos um governo do Luiz Paulo Conde (1997-2000), que tinha sido secretário municipal de Urbanismo do César Maia. Depois o César Maia volta e faz dois mandatos.
Depois vem o Eduardo Paes que, embora tenha se candidatado por um partido diferente do partido do César Maia, é herdeiro das mesmas concepções: foi secretário [Municipal do Meio Ambiente, a partir de 2001] e foi sub-prefeito da Barra da Tijuca no governo César Maia.
Então são mais de 20 anos de construção de um projeto de cidade e de uma coalizão de poder que vai implantar e conduzir uma nova ideia e conceito de cidade, que hoje nós assistimos ser quase transformada em modelo nacional.
Viomundo — Essa coalizão envolve quais atores?
Envolve antigas oligarquias da cidade, grandes escritórios de advocacia, de arquitetura, uma elite deste tipo; tem também os interesses dos grandes comerciantes, dos grandes proprietários de terra, do que restou do capital industrial, de todo o capital que gira em torno da atividade turística; e, progressivamente, temos o interesse das grandes empreiteiras, que são hoje um vetor fundamental das coalizões de poder a nível nacional, mas também a nível local.
Nós as contamos na palma das mãos, são dez: Odebrecht, Camargo Correia, Mendes Junior, Carioca Engenharia, OAS e mais cinco.
Grupos estruturados, poderosíssimos, que hoje são grupos de poder urbano, também. Algumas delas começaram construindo Brasília, outras cresceram sob as asas protetoras da ditadura militar (1964-1985) e suas grandes obras – como os grupos baianos, por exemplo.
E, depois, se instauraram na república democrática como um dos vetores fundamentais dos grupos dominantes. Inclusive, como nós sabemos, as grandes empreiteiras, ao lado dos grandes bancos, são os grandes financiadores de campanha, são o esteio do sistema político construído a partir da constituição de 1988.
Viomundo — E qual é este o conceito de cidade que essa coalizão implementa?
Este modelo de cidade tem três vetores fundamentais.
O primeiro é o aprofundamento da desigualdade e o desenvolvimento da cidade sob a lógica da empresa. O modelo se funda na ideia de que cidades devem ser planejadas segundo uma perspectiva estratégica.
O planejamento estratégico é transposto do planejamento empresarial para o planejamento de cidades: as cidades passam a ser pensadas como empresas que concorrem com outras empresas em um mercado internacional de cidades.
E concorrem para vender o quê? As cidades vendem localização.
Pra quem? Para as grandes empresas, que circulam pelo mundo e que, com as mudanças tecnológicas, no processo de globalização, cada vez mais são móveis – em inglês se diz footloose –, cada vez mais têm possibilidades de circular e investir em qualquer parte do mundo.
Então as cidades seriam empresas que concorreriam com empresas para atrair investimentos, turistas e eventos.
Em segundo lugar, há a despolitização da cidade.
É necessário que ela não seja objeto de discussão pública. Uma operação urbana não se discute com o público.
A população não foi chamada para discutir o que ela gostaria de fazer na área portuária. Ela não foi consultada para saber se ela quer investir bilhões em vias expressas em direção a uma área praticamente vazia da cidade, onde nós temos menos de 15% das demandas de transporte, enquanto que 80% da demanda de transporte está na área suburbana, na Baixada Fluminense e na Grande Niterói.
As populações estão submetidas a transporte precário e dispendem, às vezes, três, quatro, até cinco horas por dia no trajeto casa-trabalho/trabalho-casa.
Mas não são aí que estão sendo feitos os investimentos. Aí, o que nós assistimos é a degradação das ferrovias, das vias. Os investimentos são feitos não onde há uma demanda de transporte, mas onde há uma expectativa de valorização imobiliária.
A despolitização da cidade significa a transformação da cidade de espaço público em privado. A política diz respeito a quê? À ação coletiva no espaço público.
O processo de privatização da cidade é a negação da política, portanto o fim da expectativa da democracia urbana. É a transformação do governo urbano em um governo autoritário.
Veja bem, se você for ler os teóricos catalães, eles propunham exatamente isso: eles diziam que era necessário um governo forte, carismático.
Por quê? Porque, segundo eles, para uma cidade ser competitiva, ela precisa estar unida em torno de seu projeto.
Ou seja, a ideia de que haja disputas, oposições, no interior da cidade, enfraquece-a na competição.


Exemplo: quando o Rio ganhou a candidatura para as Olimpíadas, havia um movimento em Chicago chamado “Chicagoans for Rio”, quer dizer, “chicaguenses pelo Rio”.
Evidentemente, o COI não viu com simpatia ir para uma cidade onde havia um movimento organizado contrário. O secretário-geral da Fifa [Jérôme Valcke] já disse que democracia atrapalha fazer Copa do Mundo.
A cidade da empresa, a cidade do evento, a cidade da negociação empresarial, das chamadas parcerias público-privadas, é uma cidade para a qual a democracia é um obstáculo.
E, portanto, um elemento central deste modelo é o autoritarismo urbano, as parcerias público-privadas como forma de captura do espaço urbano pelo capital privado.
Por isso que eu digo que a contraface da cidade de exceção é a democracia direta do capital. A população é excluída dos processos de negociação e discussão dos destinos da cidade, que são tratados nas operações urbanas.
Quem é que discutiu que o autódromo do Rio deveria ser destruído para dar origem a um Parque Olímpico que vai funcionar durante um mês e que, depois, vai se transformar em um grande empreendimento imobiliário?
Exemplo extraordinário – e absurdo, que parece não ter limites – é o caso do campo de golfe olímpico na cidade do Rio, para as Olimpíadas. O Rio tem dois campos de golfe.
Descobriram que faltava neles um buraco, para seguir os padrões olímpicos. Solução? A todos os cidadãos de bom senso, parece ser estender um buraco nesse campo. Solução encontrada pela Prefeitura? Fazer um outro campo. R$ 350 milhões: este é o orçamento inicial – vai ficar provavelmente por R$ 600 milhões, R$ 700 milhões.
Não satisfeitos, vão fazer esse campo em uma área de proteção ambiental, que, portanto, foi suspensa. Mais: esse campo, agora, faz parte de um projeto imobiliário do Pasquale Mauro, que vai construir uma série de condomínios em torno do campo. Condomínio dos quais esse campo vai ser um dos luxos ofertados aos futuros compradores.
Ou seja: um processo de desperdício de recursos públicos, de entrega de área ambiental, de entrega de patrimônio público, de investimentos que vão ser capturados pelo processo de valorização imobiliária. Isso é o exemplo de uma operação urbana, isso é o exemplo do que é a democracia direta do capital, do que é a apropriação da cidade e a privatização dos espaços urbanos.
Viomundo — No momento em que são feitas as remoções, as legislações da cidade, antes flexíveis, aparecem agora com todo o seu rigor. As comunidades pobres enfrentam laudos de área de risco, de área de proteção ambiental etc. No pico do Santa Marta, chegou a ser feito um contra-laudo, que procurava mostrar que ali não seria uma área de risco e que a tentativa de remoção aconteceria, então, por outros motivos. Há um uso político desse mecanismo?
Para os amigos, tudo; para os inimigos, a lei. É necessário entender que neste processo de transformação a população passa a ser um inimigo potencial permanente.
Sempre que ela colocar em questão qualquer decisão, ela é um inimigo. Porque ela está dividindo a cidade e uma cidade dividida vai ser derrotada na competição. Por isso é necessário “manter a imagem da cidade”. Se a sua imagem não for mantida, ela não é atrativa.
O capitalista quer entrar numa cidade onde sindicatos estão lutando por salários? Eu não quero investir numa cidade conflituada por lutas sindicais, por protestos e manifestações.
Essa cidade – que é a cidade onde se exerce plenamente a democracia, onde os grupos sociais, os diferentes setores da sociedade se manifestam no espaço público levando propostas e projetos públicos – é inimiga profunda da cidade-empresa, da cidade-negócio, da cidade competitiva.
Viomundo — O quão importante é o papel das forças de segurança pública para a criação e a manutenção deste modelo de cidade?
Com o aprofundamento da desigualdade e o fim da democracia, a violência se impõe. A polícia irá atuar, então, seja para conter os pobres nos espaços que lhe foram alocados, seja para impedir as manifestações públicas, como se viu recentemente.
As manifestações são uma ameaça à cidade-empresa. Empresa e política não caminham bem: no interior de uma empresa não é possível fazer política. E se a cidade é uma cidade-empresa, também ali não vai se discutir. Quer dizer, ali vai se produtivizar o capital, vai se promover a competitividade e a produtividade. Não vamos discutir com os citadinos, porque essa cidade não é pros citadinos, é pros compradores de cidade.
Então a repressão passa a ser um elemento central no conceito mais geral de cidade.
O que nós assistimos, neste processo, é à criminalização de todos aqueles que não aderem, ou não fazem parte, desta cidade.
A cidade-empresa reconhece não o citadino ou o morador. Ela reconhece dois personagens principais: o cliente e o investidor.
Ou você é comprador, ou você é investidor.
Se você é um cidadão, se você é uma pessoa que quer discutir que cidade a gente quer, você tem de ser banido dessa cidade porque você é uma ameaça à sua competitividade, você é um traidor desta cidade.
Isso fica muito claro nos megaeventos. A recente decisão do COI de fazer os jogos de 2020 em Tóquio, nem em Madri nem em Istambul, é evidente: Istambul acabou de ser tomada por imensas manifestações e os indignados tomaram as ruas da Espanha. Vai se fazer um evento aí?
Não, a próxima Copa do Mundo vai ser no Qatar, onde não tem perspectiva nenhuma de conflito. Ou seja: esses megaeventos estão sendo progressivamente banidos para áreas supostas livres de risco de conflitos sociais, de protestos, de contestação.
O que nós assistimos recentemente no Brasil inteiro – e o Rio tem uma expressão particular, pela sua configuração, pela sua importância como cidade no país e pelo fato de juntar Copa do Mundo e Olimpíadas – foi que as forças repressivas mostraram que esses eventos são incompatíveis com a democracia. E, no caso do Rio, o que ficou muito claro foi que a polícia que mata nas favelas e nos bairros mais pobres é a mesma polícia brutal, descontrolada, desrespeitadora de qualquer direito, que reprimiu de maneira violenta, forjando flagrantes, pretendo gente de maneira arbitrária, nas cidades.
A grande diferença, nesse processo que a gente pode chamar de democratização da repressão e da brutalidade promovida pela polícia do Rio, é que nas favelas eles usam balas de chumbo, enquanto nas manifestações eles ainda usam bala de borracha.
A repressão mostrou a sua verdadeira face: ela tem uma dimensão de criminalização da pobreza, mas a outra e inseparável dimensão desta repressão é a criminalização da ação política.
Viomundo — Quando se inicia, no Rio, a implementação deste novo conceito de cidade?
Este novo conceito fica muito claro logo no início do primeiro governo César Maia, quando, com o apoio da Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) e um consórcio de mais de 40 grandes empresas, eles contratam a consultoria catalã Tubsa (Tecnologias Urbanas Barcelona S/A), de propriedade de um grande intelectual e consultor internacional catalão, Jordi Borja, além de alguns outros urbanistas que tinham estado engajados nas concepções que deram origem à Barcelona Olímpica.
Viomundo — Este me parece um tema bastante interessante. Porque Barcelona olímpica é compreendida, no senso comum, como um projeto extremamente bem sucedido, de todos os pontos de vista. Além das diferenças que existem entre Barcelona e as cidades brasileiras, existe também um “mito Barcelona”?
O sucesso de Barcelona é o sucesso de um momento particular da história espanhola e sua integração ao mercado comum europeu. Um momento particular de afirmação da autonomia catalã no âmbito do Estado espanhol. Mas também com consequências e sequelas brutais.
Barcelona não inaugura esse processo – que, na verdade, foi inaugurado em algumas cidades americanas: Baltimore, Boston etc.
Mas Barcelona, em primeiro lugar, implanta este modelo na Europa – e, a partir de Barcelona, ele vai ser exportado para a América Latina. E Barcelona, em segundo lugar, se destaca por um grande esforço de marketing urbano, promovendo seu próprio modelo através de grandes investimentos.
Promovê-lo no sentido de afirmar, de um lado, a cataluneidade, vis à vis do Estado espanhol; e, de outro lado, afirmar a europeidade da Catalunha, tentando separá-la da Espanha e aproximá-la da Europa.
As sequelas deste modelo estão aí na crise atual, nas crises imobiliárias sucessivas, que aconteceram primeiro nos EUA, depois na Europa. E em uma taxa de desemprego, entre jovens, de 40% a 45%.
Viomundo — Essa experiência paradigmática de Barcelona pode ser considerada bem sucedida em relação ao que seria um uso democrático da cidade, do espaço público? Ou, já naquele momento, as intervenções urbanas eram excludentes?
O processo de Barcelona é um processo contínuo e não esgotado. Num primeiro momento – sob a direção de um partido socialista, que se fortaleceu na Espanha e na Catalunha, e um partido autonomista, que nasce da transição democrática espanhola –, pode-se dizer que a experiência de Barcelona foi relativamente democrática.
Ou seja: o plano estratégico da cidade, além das necessidades do marketing, foi capaz de compor uma frente urbana com diferentes componentes sociais e políticos.
Progressivamente, este modelo foi se tornando cada vez mais empresarial, mais fechado à participação, mais um modelo neoliberal como outro qualquer.
Alguns anos atrás, o próprio Jordi Borja denunciou que este projeto havia sido apropriado pelo grande capital especulativo.
Porque, depois das Olimpíadas vem a Exposição Internacional, depois vêm as smart cities…
Quer dizer, essas cidades, para se manterem competitivas dentro deste conceito, têm de estar permanentemente lançando novos produtos ao mercado. E isso passa a dominar a lógica da cidade. E, portanto, aconteceu em Barcelona, também, um processo de aburguesamento de áreas populares. Populações de baixa e média renda foram expulsas de uma série de áreas. Ou seja, Barcelona, apesar de ser uma cidade atrativa, é cada vez mais uma cidade sócio-espacialmente desigual.
O que se agudiza, evidentemente, com a crise econômica. Eu não vou dizer que a crise espanhola, ou a crise da Catalunha, têm como causa as Olimpíadas e o projeto estratégico de cidade. Mas certamente os brutais investimentos urbanos feitos no processo de competitividade urbana, e a transformação da cidade em uma cidade voltada para a exportação e não para os seus citadinos, é parte deste processo.
Hoje nós temos de 20% a 25% de desemprego na Catalunha, taxa que cresce para 40% entre os jovens. Os indignados, na Espanha, estão se manifestando contra um modelo de Estado, capital e sociedade, mas também contra um modelo urbano que transformou a cidade em uma grande empresa.
E é justamente este modelo da cidade empresa, da cidade que concorre, da cidade que tem como elemento central não o atendimento das necessidades de seus cidadãos, mas o atendimento das necessidades de seus potenciais compradores, que vai ser adotado no Rio de Janeiro.
O primeiro plano estratégico do Rio, não casualmente, não foi elaborado pelo poder público, mas por um consórcio empresarial, liderado pela Firjan e pela ACRJ (Associação Comercial do Rio de Janeiro).
Plano que vai, progressivamente, sob a orientação técnica, metodológica, intelectual e cultural dos catalães, implantar este projeto de cidade no Rio.
E, já ali, em 1994, já está dito que o Rio tem uma vocação olímpica. E logo a seguir se faz a primeira candidatura do Rio a sediar os Jogos Olímpicos.
Quem elabora essa proposta? Os mesmos consultores catalães. Essa proposta é derrotada, há uma outra proposta mais adiante e, finalmente, há a terceira, que é vitoriosa.
Nós sabemos muito bem que a vitória dessa terceira também está associada ao alinhamento do governo local com os governos estadual e federal. O governo federal investiu todo o seu prestígio – Lula, em particular –, deu uma série de garantias ao COI (Comitê Olímpico Internacional), como também à Fifa, de que o Brasil bancaria integralmente os custos, inclusive se houvesse perdas, que o Brasil entregaria as 12 cidades para a Copa, e o Rio para as Olimpíadas, segundo a vontade, o desejo e as necessidades do COI e da Fifa.
Que ao fim e ao cabo são duas instituições privadas internacionais, que não respondem diante de ninguém, a não ser dos seus próprios conselhos.
Viomundo — É possível localizarmos aquela que seria a primeira grande intervenção urbana, aqui no Rio, deste novo projeto de cidade?
A Rio+20 [Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em junho de 2012] é uma grande intervenção. Por exemplo: associado à Rio+20, você tem a Linha Amarela, que é um grande projeto urbano. Mas eu diria que este projeto teve um longo tempo de incubação. Porque você não pode entender a economia do urbano se não entender também as estruturas políticas.
Antes, havia uma grande fragmentação dos grupos dominantes. Essa fragmentação, em um certo sentido, não foi superada. Como é que se constituiu a coalizão?
Este grupo dominante não se coaliza em torno de um partido. Na estrutura partidária brasileira, o partido é o que menos importa. O Garotinho esteve no PDT, depois saiu para o PMDB. As trajetórias partidárias do César Maia, do Eduardo Paes, são irrelevantes. Isso torna mais difícil ler esses processos, porque eles não são legíveis através das representações políticas.
E é muito difícil, para a gente, saber o que está para lá dessas representações políticas. Não existe um projeto de cidade claro. Que cidade se pretende?
O plano diretor é uma piada, é um documento que ninguém leva a sério. O Estatuto da Cidade, ao autorizar as operações urbanas consorciadas, permite botar o plano diretor na lata do lixo, onde ele está na maioria das cidades brasileiras. E no Rio, também.
Viomundo — Um conceito bastante central na sua obra é o de “cidade de exceção”. O senhor fala que esta é uma “nova forma de regime urbano”. Em que isso consiste?
Em primeiro, não há regra. As operações urbanas permitem que a lei estabelecida no plano diretor seja suspensa. A cidade de exceção é a cidade em que a regra caduca sempre que se faça uma negociação entre Estado e capital privado que interesse ao capital privado.


Eu recomendo a você e a seus leitores que procurem no You Tube o vídeo de uma negociação entre o Cid Gomes, governador do Ceará, e um grupo de empresários da construção imobiliária. Você vai ver como é que eles planejam nossas cidades, como é que eles negociam pedaços da cidade.
O plano diretor teoricamente seria rígido, voluntarista, intervencionista, tecnocrático. Nós precisaríamos de flexibilidade: a cidade teria que ser entregue à lógica do mercado, porque o mercado é suposto ser a melhor forma de definir os rumos da sociedade e da cidade.
Como dizem os economistas, o mercado é a melhor forma de alocação de recursos. Qualquer intervenção que contrarie, prejudique, desequilibre o funcionamento do mercado tenderia a levar ao que os economistas chamam de uma alocação sub-ótima de recursos. A alocação ótima quem faz é o mercado.
Portanto a intervenção de Estado e o modelo de planejamento que se afirmou partir da II Guerra Mundial no plano diretor e no zoneamento urbano são colocados no banco dos réus, porque ele é suposto “anti-mercado”.
Na linguagem do Banco Mundial, é necessário um planejamento que eles chamam, agora, de market friendly, amigável com o mercado. Ou market oriented: orientado pelo e para o mercado. Então o Estado pode intervirdesde que seja para favorecer o pleno funcionamento do mercado, não para impor regras, normas etc.
Viomundo — O Estado, então, atua como um facilitador do lucro das grandes empresas a partir do uso do espaço público?
Se a saída para o desenvolvimento das cidades é ela ser competitiva e, para ela ser competitiva, ela tem que atender aos capitais aqui presentes e atrair capitais, a sua função é ser um facilitador do funcionamento do mercado capitalista.
No fundo dessa teoria estaria a ideia de que isso geraria o melhor resultado social. Quando olhamos para as todas estas cidades depois de 20, 25 anos de hegemonia do que é, na verdade, o pensamento neoliberal, nós vemos que em todas elas o que se assistiu foi ao aumento da desigualdade urbana.
Nas cidades brasileiras, que já eram profundamente desiguais, estão sendo gerados verdadeiros processos de guetificação urbana, transformação da cidade em um conjunto de cidadelas: as cidadelas dos ricos, nos condomínios fechados, cercados por muros e protegidos por vigilantes; e os condomínios dos pobres, ou os guetos dos pobres, cercados por polícias.
A Escola de Chicago definia a cidade como um aglomerado de grande porte, heterogêneo e denso. Portanto, a heterogeneidade e a densidade seriam características fundamentais do que mereceria ser chamado de cidade.
O que nós assistimos é, então, a progressiva destruição da cidade, porque a heterogeneidade densa passa a ser eliminada do espaço urbano através de sucessivos processos de segregação.
Evidentemente que isso não se inicia com César Maia – ele é importante, mas nem tanto. Se nós formos pegar a história do Rio, eu brinco sempre, ela começou em 1808, quando veio a família real para cá.
Naquela época, 20 mil casas foram apropriadas para instalar a corte, vinda de Lisboa. Então a gente pode dizer que a história da cidade do Rio se inaugura no século XIX, como capital do Império Português, com um processo de remoção.
Mais recentemente, eu diria que há três grandes ondas, que são ondas, simultaneamente, de modernização, mas também ondas de construção da estrutura dessa cidade desigual.
Viomundo — Quais são elas?
Primeira, na virada do século XIX para o século XX, que é a grande reforma Pereira Passos, que vai instaurar o porto moderno – que hoje está sendo submetido a novas transformações –, que vai criar as grandes avenidas centrais e vai abrir o caminho para a zona Sul, para a área oceânica da cidade.
Copacabana é inaugurada nesse período, através de linhas de trem, em um processo muito similar ao que nós assistimos, hoje, na Barra da Tijuca.
Você abre as linhas de bonde para as áreas vazias, que são colocadas em valorização, pela própria Light. Era uma empresa estrangeira que criava linhas de transporte, mas um transporte associado a um processo de valorização fundiária, como hoje os BRTs e os metrôs que estão sendo construídos em direção às terras vazias da Barra da Tijuca e do Recreio dos Bandeirantes.
Esse é um período de grandes remoções da população das áreas centrais da cidade e construções dos primeiros subúrbios.
A segunda grande mudança e modernização da cidade se faz sob Carlos Lacerda, no início dos anos 60, e nos primeiros anos sob a ditadura militar. É um processo de remoção brutal, também.
De toda a área da lagoa [Rodrigo de Freitas], e de áreas importantes da zona Sul da cidade, a população é removida. E as áreas são apropriadas pelo capital imobiliário em expansão. Foram removidas em torno de 35 e 40 mil pessoas.
E, agora, nós temos todo o processo, desde os anos 80, de expansão da cidade em direção à Barra da Tijuca, que é a nova fronteira de expansão do capital imobiliário.
O Estado investiu recursos inimagináveis para viabilizar esta grande operação imobiliária. Quando, no mundo inteiro, se fala em fazer cidades densas, não estender as malhas urbanas – inclusive por razões ambientais, porque isso estende transporte, circulação, custos de infraestrutura, impermeabilização do solo, eliminação de terras agrícolas e florestais.
O que é que se recomenda no mundo inteiro?
Utilizar os vazios urbanos, todas as cidades têm enormes vazios urbanos.
O Rio de Janeiro e várias outras cidades brasileiras tomam o caminho inverso, porque a sua lógica é a lógica de valorização da terra. No caso do Rio, isso ganha uma dimensão aguda, porque os milhares de quilômetros quadrados da Barra da Tijuca e do Recreio dos Bandeirantes são propriedade quase exclusiva de quatro grandes latifundistas urbanos.
Um deles é famoso e muito próximo ao governo atual, que é o Carvalho Hosken. Qual o consórcio que recebeu a concessão do Parque Olímpico? Carvalho Hosken e Odebrecht, aliança entre um grande latifundista urbano e uma grande empreiteira.
Viomundo — E quem são os outros três?
Um é o Pasquale Mauro, outro é conhecido como “Chinês da Barra” [Tjong Hiong Oei, morto em outubro de 2012] e tem mais um que me escapa, agora. São os donos da Barra da Tijuca.
E agora nós temos a estimativa de que em torno de 60 a 80 mil pessoas estão sendo removidas.
No período dos anos 60 e 70, Cidade de Deus foi construída. Assim como Vila Kennedy, Vila Aliança, grandes assentamentos que hoje são as áreas mais violentas, mais miseráveis, de maior desemprego na cidade, foram produzidas nesse período.
E, hoje, nas áreas distantes, os reassentamentos do Minha Casa Minha Vida replicam o mesmo modelo. Parece que há uma espécie de filme que se repete: Remoção I, Remoção II, Remoção III etc.


Viomundo — Essas 60 ou 80 mil pessoas estão sendo removidas em função, principalmente, de quais obras?
Obras direta ou indiretamente ligadas à Copa e às Olimpíadas. É evidente que não seria necessário remover ninguém pra fazer Copa e Olimpíada.
Elas são um grande pretexto. Tem um vídeo do prefeito, no You Tube, em que ele diz que aproveita Copa e as Olimpíadas para fazer o que precisa.
Viomundo — A Vila Autódromo parece ser um exemplo claro disso.
É um exemplo claro. Como a Vila Harmonia, que foi removida para dar passagem à Transoeste. A Transoeste foi construída e a área da qual as casas foram removidas ficou intocada. São vários pretextos.
Agora, na área do Maracanã, removeu-se uma população para se fazer um estacionamento. O estacionamento, na verdade, é o pretexto para se remover a população, porque querem limpar a área.
As vias expressas que se implantaram, e que estão em implantação, passando por cima de populações, podiam passar por cima de um condomínio. Não são obrigadas a passar por cima de uma população.
Viomundo — Mas parece que, coincidentemente, elas têm sempre de passar por cima das populações mais pobres…
Sempre, porque na verdade o trajeto é construído não segundo a lógica do melhor desempenho da via de transporte, mas segundo a lógica da limpeza urbana, que está imbricada com o processo de valorização fundiária e os grandes projetos urbanos, que querem ter uma vizinhança “limpa”.
As classes mais altas gostam do pobre para trabalhar na sua garagem, como porteiro, como empregada doméstica. Não como vizinho. Como vizinho ele é suposto nefasto, perigoso. Como empregado, ele é bom.
Isso gera uma certa ambiguidade, porque os trabalhadores são necessários mas, ao mesmo tempo, são indesejados. Isso é uma angústia permanente da burguesia carioca – e da burguesia em modo geral. Precisa deles, mas quer que eles estejam o mais longe possível. E nessa ambiguidade vai vivendo a cidade.
Esses projetos são, então, grandes pretextos para levar adiante uma terceira grande onda de remoção. Se nós formos pensar o processo de transição democrática, houve uma grande conquista com a Constituição de 1998, que foi o chamado usucapião urbano. Segundo ele, depois de uma ocupação mansa e pacífica por cinco anos, de terras não públicas, você obtém o direito de propriedade.
Isso significa que, em uma infinidade de favelas e outras áreas, os moradores têm direito à propriedade. Muitos deles não foram registrar essa propriedade e são tratados como não-proprietários. Na verdade, eles são proprietários. Eles não têm o registro da propriedade, mas eles já se transformaram em proprietários pela Constituição.
Viomundo — Há um processo, desencadeado pela instalação das UPPs, que tem sido chamado de remoção branca. A população das comunidades pacificadas muitas vezes não consegue suportar o encarecimento do custo de vida daquela região e é obrigada a se mudar. Este processo tem sido significativo?
Ele é e tende a crescer. As políticas de remoção têm duas faces: a remoção branca e a vermelha, que é pela violência.
A remoção branca depende de um processo de regularização fundiária, que é muito custoso e difícil, mas que a prefeitura pretende desenvolver, sobretudo nas áreas mais cobiçadas. Para que essas áreas ingressem no mercado de terras, é necessário que as propriedades ali sejam regularizadas, para que elas entrem no mercado de terras formal, da cidade como um todo. Isso é um problema.
De qualquer maneira, na sociedade capitalista e na cidade burguesa, os processos de remoção branca são inexoráveis.
Eles podem ser reduzidos, amenizados. Como? A remoção branca decorre da implantação, em um local, de um novo benefício urbano.
Se a cidade fosse homogênea, não haveria razão para remover. Se todas as casas da cidade tivessem água, luz, esgoto, transporte público, educação, saúde, etc, haveria uma pequena mobilização de pessoas que se mudam porque casam, porque querem morar perto de certos lugares. Mas a desigualdade urbana tem uma base na lógica capitalista essencial, que é a renda da diferenciação dos espaços urbanos.
A produção de diferenças é um dos elementos fundamentais do funcionamento da cidade burguesa capitalista. Se a gente pegar do ponto de vista dos serviços urbanos, quanto mais homogênea a distribuição dos serviços urbanos em uma cidade, mais democrática a cidade é e menos razões deste tipo você tem para sair de um bairro ou de outro.
Se toda a cidade tivesse segurança pública, ter segurança pública não seria uma vantagem, não seria um diferencial de preço. Ainda, e sempre, haverá diferenciais de natureza outra, como estar próximo da praia. Mas, na nossa cidade, além destes diferenciais dados pelas vantagens locacionais de ordem natural, os mais profundos diferenciais são aqueles decorrentes do tratamento desigual dado pelo poder público ao espaço urbano.
Eu me lembro que, alguns anos atrás, a [ex-prefeita de São Paulo] Marta Suplicy justificava que cuidava dos jardins nas áreas nobres de São Paulo porque as pessoas pagavam IPTU mais caro.
Vai pela Barra da Tijuca: você tem estradas com alamedas, jardins, grama, o departamento de parques e jardins vai lá, cuida das flores.
Aí você entra em frente à favela Rio das Pedras e, ali, a estrada é esburacada.
Não estou falando do espaço das moradias, cujos habitantes são mais pobres e têm moradias mais precárias. Estou falando da mesma estrada. O tratamento dado a essa estrada é diferente dependendo de quem são os moradores vizinhos da estrada.
O Estado é um dos promotores fundamentais da desigualdade. E isso só se resolve com uma política urbana que pense a cidade como uma totalidade.
Toda vez que você faz um investimento localizado, você gera um diferencial. A única maneira de combater de maneira consistente este tipo de processo é através de políticas de universalização do serviço.
O que nossa cidade faz? Exatamente o contrário. Ela aprofunda as desigualdades. Quando você faz investimentos em transporte, em esgoto, na direção da Barra da Tijuca, você está aumentando os diferenciais urbanos em vez de reduzí-los.