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quarta-feira, 31 de julho de 2013

Turma Fênix, conheçam Fordlândia

Fordlândia: a Amazônia americana


Para escapar do monopólio inglês sobre a produção de látex, Henry Ford instalou uma filial da Companhia Ford às margens do rio Tapajós

por Antônio Pedro Tota



A vila de Fordlândia, localizada a cerca de 120 quilômetros de Santarém, na Amazônia paraense, faz parte do sonho modernista de Henry Ford – o homem que fez o mundo girar sobre quatro rodas, o criador do automóvel como bem de consumo. Mas o que levou a Companhia Ford, instalada na gélida e industrializada Detroit, região dos Grandes Lagos nos Estados Unidos, a planejar uma “filial” às margens do equatorial rio Tapajós, em plena selva Amazônica há quase 80 anos?
A resposta é simples. Nos anos 1920, a Ford tentava escapar do monopólio que os ingleses exerciam sobre a produção de látex. O produto era matéria-prima valiosa para a efervescente indústria automobilística: com ela, fabricavam-se pneus e diversas autopeças.
Em 1927, depois de ter em mãos informações sobre a qualidade da borracha da Amazônia, Henry Ford tratou de comprar, na região de Boa Vista, um belo naco de terra, com cerca de 1 milhão de hectares, às margens do Tapajós. O valor: 127 mil dólares.
No ano seguinte, dois navios – Lake Ormoc e Lake Farge – aportavam na floresta carregados de todo o material necessário para a instalação da maior plantação de seringueiras do mundo. Não demorou para que Boa Vista fosse rebatizada como Fordlândia. Quanto à empresa americana, chegava à selva com o nome de Companhia Ford Industrial do Brasil.
Muito pouco se comenta sobre esse curioso episódio das primeiras décadas do século 20 na Amazônia. Por ser um estudioso da influência americana no Brasil, fui convidado pela revista National Geographic para visitar – acompanhado do fotógrafo Ricardo Beliel – as cidades “americanizadas” nesses trechos da floresta.
Em Santarém, tivemos o primeiro contato com a magnitude da empreitada americana. No Instituto Cultural Boanerges Sena, assistimos a um breve documentário sobre aquela época. As imagens contam o início da história que buscávamos: tratores derrubando árvores colossais, serras cortando tábuas, caldeiras movendo turbinas de geradores de energia, ruas, estradas e casas de alvenaria surgindo no meio da mata. É o retrato do dinamismo industrial – transportado para a floresta fechada.
O projeto, no entanto, não vingou. Assim, em 1934, a companhia americana faria nova tentativa: dessa vez, na região de Belterra, cidade mais próxima de Santarém. Ao todo, o sonho da Ford nessas paragens durou até dezembro de 1945.
Para o longo trajeto de 12 horas de barco entre Santarém e as antigas instalações da Ford, cruzando as águas verdes do Tapajós, tomei certas providências.
Precisava de uma rede, de uns 2 metros de corda e de um chapéu. O chapéu, obviamente, para proteger a calva do forte sol equatorial; a corda, para amarrar a rede na embarcação. “Uma das belas características do Tapajós são as nuances de cor que apresenta durante os dias e as noites. Algumas vezes ele tem a cor de esmeralda; outras, a de chumbo; outras, o dourado – como se caprichasse para nos extasiar com sua beleza...”
Quem descreve o rio com tal poesia é um filho dessas matas, Eimar Franco, autor do livro O Tapajós Que Eu Vi. Franco nasceu em Urucurituba, na margem oposta a Fordlândia, em 1921. Testemunhou toda a implantação do projeto americano por ali.
Descemos em Fordlândia por volta das 5 horas da manhã. Hora local. Mas não é o mesmo fuso horário de Santarém?, pergunto a seu Vicente, um companheiro de viagem. Para minha surpresa, não. Fordlândia está sob a “custódia” do Ministério da Agricultura e, por isso, é Brasília que determina o horário.Mas Fordlândia também faz parte da prefeitura de Aveiro – que segue o horário de Santarém.Mais tarde, constataria a confusão: a dona de um restaurante servia, às 11h, o almoço aos funcionários do Ministério da Agricultura, um órgão federal.Ao meio-dia, era a vez dos funcionários da prefeitura que tecnicamente estavam almoçando às 11h.
O dia nascia em Fordlândia quando uma velha picape Chevrolet veio nos receber. Ao volante estava Olinaldo Barbosa da Silva, o Fuzica, um articulador político da região que luta pela autonomia municipal. Levounos até a Vila Americana, onde moravam os executivos americanos. Alamedas arborizadas com gigantescas mangueiras, calçadas, postes de ferro fundido, luminárias de ágata e hidrantes. Tudo muito organizado.
Na Vila Americana, entramos na residência de número 1 – a chamada Casa de Henry Ford, que no passado serviu à direção da empresa. Belíssimas cadeiras de balanço de vime, uma mesa de madeira nobre e uma cristaleira.
Uma velha vitrola RCA Victor me chamou atenção.Aberta a tampa, os cupins que corroíam a memória da presença americana no Brasil se apressaram em fugir. Consegui ler a etiqueta de alguns discos quebrados de 78 rotações: Rapsódia Húngara, de Liszt; um foxtrote, By the River Saint Marie.Na estante, livros revelavam a principal preocupação dos americanos: doenças tropicais. Entre os muitos títulos sobre o assunto, lá estava Recent Advances in Tropical Medicine, de sir Leonard Rogers (Indian Medical Service), da London School of Tropical Medicine.Na vila não há eletricidade. Outro sinal do total abandono de Fordlândia. Procurei saber se o velho mogul da indústria automobilística visitara a Amazônia. A resposta: não.
Do outrora elegante bairro dos executivos americanos, fomos até a Casa do Leite, uma imensa construção com vigas de aço onde ainda se pode ler “Bethlehm/USA”. Ali dentro há restos de máquinas que beneficiariam o leite do látex. O local tem ares macabros. Algo que se reforça com o caixão de defunto deixado num canto, feito de metal e já carcomido pelo tempo. Serviria a americanos que não desejassem ser enterrados no Brasil. Entretanto, conforme conta a gente local, nenhum americano faleceu durante a permanência da Ford na Amazônia.
Por alguns momentos, imaginei o que faria se fosse ministro da Cultura. As paredes de vidro e aço abrigariam um imenso teatro, onde seriam apresentadas peças de Villa-Lobos. Fordlândia se tornaria nossa Bayreuth – a cidade natal de Richard Wagner –, onde todos viriam para reverenciar a Amazônia por meio das obras do compositor brasileiro...
As ruas de Fordlândia nos levaram à casa de Roque Faria Braz, que tinha uns 10 anos quando a Ford chegou ao Tapajós. Filho de índios, Braz alistou-se na companhia para derrubar a mata. Com saudades, ele recorda- se do “tempo dos americanos”, quando não se pagava aluguel, havia serviço médico, água e luz.Hoje, aos 84 anos, sente-se abandonado.
Mas nem todos viviam satisfeitos em Fordlândia. Braz nos informa sobre a “revolta das panelas”, ou “o quebra-panelas”. Foi um episódio que gerou muitas versões. No seu clássico Bandeirantes e Pioneiros, Vianna Moog discute diferenças culturais a partir do incidente histórico. No refeitório de Fordlândia, em 1930, repentinamente os operários se rebelaram. Cortaram os fios do telégrafo, afugentaram os americanos e, acima de tudo, queriam a cabeça do cozinheiro. A razão? Ninguém suportava mais cornflakes, espinafre e outras comidas importadas. Todos queriam saborear o peixe da região, queriam feijão e farinha.
Rebeliões e resistências, no entanto, não ficaram restritas à comida. Os caboclos que se empregavam na Ford do Brasil estavam proibidos de consumir cachaça. Não demorou para que o contrabando surgisse. Pequenos alambiques vendiam a bebida no meio do rio, fora da jurisdição da companhia. Depois, escondida dentro de melões ou melancias, a pinga era levada para o interior da vila.
O hospital e o cemitério de Fordlândia são metáforas dos dias de hoje. O primeiro não funciona há anos. E, ironicamente, os instrumentos abandonados ali poderão matar, e não salvar vidas: dois aparelhos de raios X profetizam uma tragédia semelhante à do césio de Goiânia. O cemitério está esquecido.
Encontrei-me com antigos moradores locais. Pedro Rocha, de 84 anos, Olinda Pereira Branco, de 93, e Juvêncio Alves dos Santos, 80, são alguns deles. Todos saudosos do tempo da companhia.
A Ford deixou a Fordlândia em 1934, trocando o município por outro, este a apenas uma hora de Santarém. Foi lá, em Belterra, que o secretário de Turismo e Meio Ambiente Chardival Pantoja nos explicou porquê.
A região do Tapajós foi escolhida pela companhia, em parte, porque foi dali que os ingleses contrabandearam sementes da Hevea brasiliensis, em 1876. Ou seja, levaram nossa seringueira diretamente para suas colônias no Extremo Oriente. Trata-se de um dos primeiros casos de biopirataria na Amazônia e que, anos mais tarde, provocaria o fim o ciclo da borracha brasileiro. Os especialistas da Ford prepararam o terreno. Seguindo o modelo de estandardização das linhas de produção de automóveis, eles plantaram, em campo simétrico, milhões de mudas colhidas na mata.
Na floresta, porém, as seringueiras eram dotadas de proteção natural contra fungos e pragas. No campo aberto, ficavam vulneráveis. O fungo Microcylclus ulei atacou as árvores, tornando-as imprestáveis para a produção do látex. Em 1934, a empresa foi para Belterra, onde evitaria os erros cometidos em Fordlândia. Nascia, assim, a segunda experiência da Companhia Ford na Amazônia.
Como fizeram em Fordlândia, os americanos reproduziram ali uma cidadezinha interiorana dos Estados Unidos. Ruas bem traçadas, os ubíquos hidrantes, cinema, hospital, sistemas de água e luz elétrica, campo de golfe e o Club House, onde as famílias ouviam música e jogavam cartas. Na verdade, havia duas Belterras: a dos americanos e a dos trabalhadores brasileiros. Ou a Vila Americana e a Vila Assalariada.Aos moradores da segunda era vedada a freqüência na primeira.
As plantações de Belterra também obedeciam o traçado retilíneo, claro. Só que as mudas não eram locais, e sim trazidas do Ceilão, resistentes aos fungos. Tudo indicava que o projeto de Henry Ford iria vingar. Mas, com a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra, as novas experiências com borracha sintética alcançavam resultados positivos. Em fins de 1945, a Ford resolveu deixar de lado a Amazônia. Por cerca de 250 mil dólares, vendeu tudo para o novo governo brasileiro. Desde então, Fordlândia tornou-se parte do patrimônio do Ministério da Agricultura. Um patrimônio abandonado nos confins da floresta.

Turma Fênix, artigo analisa A paz entre Israel e os palestinos é viável?

A paz entre Israel e os palestinos é viável?


Os dois lados voltam à mesa de negociações, mas só o tempo mostrará se são capazes, e têm disposição, para estabelecer um acordo
por José Antonio Lima — publicado 30/07/2013

Nesta semana, a ministra da Justiça de Israel, Tzipi Livni, e o principal negociador palestino, Saeb Erekat, se reúnem em Washington para o início de um período de nove meses de diálogo cujo objetivo é obter um acordo de paz entre as duas partes e, com 65 anos de atraso, estabelecer um Estado palestino. Com razão, é grande o pessimismo em Israel, nos territórios palestinos ocupados e entre analistas. Não se conhece a real vontade de fazer a paz de Israel, e nem a capacidade da Autoridade Palestina firmar o acordo. Ainda assim, convém não descartar a nova empreitada, mais uma vez realizada sob os auspícios dos Estados Unidos.
Como há três anos não há diálogo direto entre israelenses e palestinos, o período inicial em Washington será dedicado a “negociar as negociações”. Livni e Erekat, com a mediação do secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry, e do novo enviado especial da Casa Branca para a região, Martin Indyk, vão debater as balizas do diálogo. A estratégia norte-americana é manter essa conversa em sigilo para não abrir a possibilidade de o processo de paz descarrilar antes mesmo de ter início. Em conversas privadas, podem ser discutidos temas como o reconhecimento de Israel como “Estado judeu” por parte dos palestinos e o estabelecimento das fronteiras de Israel de 1967 como base para as negociações. Hoje, devido ao extremismo dos dois lados, o governo de Israel e a Autoridade Palestina não podem assumir tais posições publicamente.
Se Livni e Erekat conseguirem superar esta barreira inicial, vão então tratar das quatro questões centrais da paz: o estabelecimento de uma fronteira definitiva, a situação dos refugiados palestinos, a divisão de Jerusalém e questões securitárias. É aqui que será respondida a pergunta sobre a possibilidade de haver paz entre os dois lados. Todos os temas são bastante espinhosos e, com a demora na resolução do conflito, foram agravados. Vejamos alguns detalhes de cada um deles.
1 - Segurança
A questão menos difícil parece ser a da segurança de Israel. Nas negociações realizadas no ano 2000, os palestinos teriam feito diversas concessões, incluindo a autorização para a presença de militares israelenses no vale do rio Jordão, região em que ficaria a fronteira entre o futuro Estado palestino e a Jordânia. Para Israel, esta é uma questão estratégica, uma vez que há o temor de uma invasão estrangeira por aquela região. Para os palestinos, tal presença poderia ser vista como uma violação da soberania territorial, mas é preciso antes estabelecer esta soberania, e sem a anuência de Israel ela provavelmente nunca se dará por completo. Um paliativo capaz de aplacar os anseios dos dois lados sem provocar humilhações seria o envio de uma força militar multinacional simbólica para a região.
2 - Refugiados
Uma questão mais complicada é a dos refugiados. Os palestinos reivindicam o direito de retorno para cerca de 3 milhões de pessoas (incluindo descendentes) que deixaram o que hoje é Israel na guerra de 1948 e os territórios palestinos hoje ocupados na guerra de 1967. Israel não vai aceitar a entrada de centenas de milhares de palestinos, mas no ano 2000 teria proposto a criação de um fundo de amparo a esses refugiados, além da possibilidade de receber “por questões humanitárias” até 100 mil palestinos que poderiam se unir a seus familiares ainda morando em Israel. É verossímil também a acomodação definitiva dos refugiados em outros países ou no nascente Estado palestino. Nesta empreitada poderiam ajudar os países árabes, especialmente os do Golfo, que parecem engajados em ajudar a resolver o assunto com seus milhões de petrodólares.
3 - Fronteira definitiva
O tema que causa mais debate hoje em dia é a questão das fronteiras. Durante a guerra de 1967, Israel tomou diversos territórios, entre eles a Faixa de Gaza e a Cisjordânia. Nos dois, construiu instalações militares e assentamentos civis, violando diversas leis internacionais. Em 2005, sob o governo de Ariel Sharon, Israel evacuou sua população da Faixa de Gaza, mas a ocupação na Cisjordânia não apenas se manteve como foi aprofundada. Hoje, os assentamentos penetram vários quilômetros a dentro da Cisjordânia, na prática inviabilizando uma Cisjordânia contígua. Se não retrocederem ao menos em parte, não haverá um país chamado Palestina.
Para os palestinos, os efeitos desta ocupação estão expostos no noticiário internacional. Algumas das melhores terras da Cisjordânia foram tomadas e hoje abrigam apartamentos e fazendas israelenses. Há estradas separadas para israelenses e palestinos, com diversos postos militares de controle, que afetam a economia e prejudicam a convivência social. A dura repressão coloca frente a frente os soldados israelenses, muitas vezes truculentos, e a população civil. É uma humilhação sistemática que fomenta apenas o ódio do outro lado.
A resolução do problema dos assentamentos se daria por meio de trocas territoriais. Israel ficaria com alguns assentamentos e em troca cederia terras de seu atual território. Este princípio de negociação é apoiado pela Liga Árabe, pelos Estados Unidos e pelos palestinos.
O grande problema desta questão hoje em dia é que uma parte importante da população e dos políticos israelenses apoia a ocupação e gostaria de ampliá-la. São dois grupos diferentes com esta bandeira: os religiosos ultra-ortodoxos, que viram a vitória em 1967 como uma espécie de sinal de Deus para ocupar toda a Palestina histórica; e os assentados israelenses, que ao longo das últimas décadas foram ocupando as terras palestinas com subsídios governamentais. Esta extrema-direita israelense possui grande força política e exerce um peso desproporcional no sistema parlamentar do país. Hoje, encontra guarida no Likud, partido de direita que deu início à colonização dos territórios e até hoje rejeita oficialmente o estabelecimento de um Estado palestino.
Integrante do Likud, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu tem se mostrado aberto à retomada das negociações simplesmente pelo medo de ser visto por Washington como intransigente. Um sinal de que “Bibi” considera viável a negociação é o anúncio, feito na semana passada, de que vai acelerar a tramitação de uma lei que submete qualquer acordo de paz a um referendo. A estratégia é se proteger do destino de outros primeiros-ministros israelenses que negociaram a paz: Yitzhak Rabin foi assassinado por um radical judeu em 1995 e a esquerda morreu politicamente após o fracasso dos diálogos na década de 1990.
4 - Jerusalém
Jerusalém é o problema mais intrincado das negociações, por envolver sentimentos religiosos e nacionais, além das questões políticas. Sua porção leste, até 1967 controlada pela Jordânia, foi tomada por Israel após a guerra daquele ano. Grande parte dos assentamentos construídos na Cisjordânia circunda a cidade, uma estratégia para controlar Jerusalém de forma integral. Israel alega que Jerusalém é, histórica e religiosamente, uma cidade judaica, e em 1980 gravou em lei nacional que a cidade, “completa e unificada”, é a capital do país. A comunidade internacional não referenda tal reivindicação e os palestinos não aceitam ceder o controle da parte oriental de Jerusalém, que pretendem estabelecer como a capital do futuro estado. Um fator complicador na divisão é que na porção oriental de Jerusalém fica a chamada Cidade Velha, onde estão marcos religiosos judeus, muçulmanos e cristãos.
A disputa a respeito de Jerusalém não tem uma solução óbvia e, portanto, será preciso surgir alguma inovação nas novas negociações. No ano 2000, Israel teria oferecido aos palestinos os controles sobre alguns bairros e subúrbios da cidade, assim como dos marcos muçulmanos na Cidade Velha. A oferta, entretanto, não foi aceita pelos palestinos.
Como chegar a um acordo?
Esses quatro pontos, conhecidos como “temas de status final”, são espinhosos e envolvem questões existenciais de ambos os lados. Em negociações passadas, entretanto, israelenses e palestinos chegaram perto de acordos, mas faltaram coragem e vontade política para fazer as concessões necessárias.
Nada garante que desta vez será diferente, mas ainda assim a negociação pode ser levada a sério. Em primeiro lugar, o governo Barack Obama parece disposto a jogar todo o seu peso político sobre o diálogo. Há quatro anos e meio, Obama vive perdido e atrasado no que diz respeito às crises do Oriente Médio. Se conseguir resolver um problema de décadas, marcará seu nome na história de forma importante. O mesmo vale para John Kerry.
Em segundo lugar, conta a favor do processo de paz o fato de muitas das forças regionais do Oriente Médio estarem preocupadas com outros problemas. No Egito, militares, secularistas e a Irmandade Muçulmana se digladiam numa disputa de poder. A Síria vive uma guerra civil que afeta cada vez mais a Turquia. O Irã também está voltado ao que ocorre em seu território, uma vez que os aiatolás tentam reforçar o domínio sobre a população. Tudo isso cria um espaço político para a questão palestina ser discutida com mais calma.
Um terceiro ponto interessante é o fato de a Liga Árabe estar apoiando o processo de paz. O movimento mais simbólico nesta direção foi a aceitação, por parte da entidade, do princípio de troca de terra entre israelenses e palestinos, feito em maio. O apoio dos países árabes dá à liderança palestina certa cobertura política.
A grande dificuldade do novo processo de paz é obter um acordo que seja politicamente sustentável para Netanyahu e para o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas. Ambos enfrentam radicais prontos a denunciar a paz e quaisquer sejam suas condições. Isso ocorre pois a extrema-direita israelense e o grupo palestino Hamas são contrários à chamada solução de dois Estados – Israel e Palestina, lado a lado. Os primeiros desejam uma ocupação eterna da Cisjordânia e a reocupação da Faixa de Gaza, enquanto os últimos desejam varrer Israel (e os judeus) do mapa. No caso do Hamas, a situação é muito mais complicada, pois o grupo não apenas se opõe à existência de Israel como controla a Faixa de Gaza, parte importante do futuro Estado palestino, e é inimigo declarado do Fatah, partido de Mahmoud Abbas.
No fundo, a receita para a paz é a mesma de outros tempos: ou os atores políticos mais racionais (dos dois lados) criam uma coalizão de moderados capaz de fazer concessões e comunicá-las da forma correta, de modo a desencorajar as lutas dos radicais, ou a disputa, e a violência, continuarão. Os próximos nove meses mostrarão quão fortes internamente e interessados na paz são os líderes de cada lado, e até onde os extremistas estão dispostos a ir.

Espanha: Sou a despejada que fala (3/3)

Espanha: Sou a despejada que fala (3/3)

31 julho 2013
Libération Paris

David Ramos / Getty Images

Até 2008, Cristina Fallaras vivia uma existência estável, como escritora e subdiretora de um jornal. Depois, foi despedida e ficou com o estatuto de mãe desempregada sem domicílio fixo. Um percurso tragicamente banal numa Espanha em crise. Eis o seu testemunho.

 
Recordemos o momento quando tudo tremeu. “Mãe, é um senhor.” Enquanto o som dos helicópteros se junta ao ruído da greve geral iminente, eu espalho papéis de tribunal numa mesa e preparo-me para escrever um artigo para o sítio de El Mundo – é preciso contar, denunciar é uma necessidade que nos vai salvar -, para o meu blogue, mas isso ocupou a minha página principal demasiado tempo, praticamente o dia todo. Chamava-se Chegou o dia do meu despejo.
De manhã quando estou a trabalhar em casa não abro a porta a ninguém. Abrir a porta de manhã traz sempre más notícias. Mas quem toca à porta às 19:40 são geralmente vizinhos ou amigos.
Quando cheguei à porta percebi o que aquele homem trazia.
"Venho entregar uma notificação do tribunal."
Com um maço de papel debaixo do braço direito, estende-me um papel com a mão esquerda.
"É a ordem de despejo?"
É a sensação dos adolescentes quando são confrontados com os “assuntos dos crescidos”.
Há algum tempo que a aguardava, desde que o banco me tinha dito que, se quisesse saber a situação do meu crédito, tinha de contactar os serviços jurídicos. Quando a banca nos fala em “serviços jurídicos”, sabemos que o assunto transitou para um departamento onde se fala uma língua diferente. É a sensação dos adolescentes quando são confrontados com os “assuntos dos crescidos”. Vão ter de passar por isso, compreendem, mas escapa-lhes o essencial.
"Bem, mais ou menos – hesita – Tem de se apresentar no tribunal e assinar isto."
"E se eu não assinar?"
"Vai acontecer à mesma."
Ouvem-se os primeiros petardos que aquecem uma greve geral que um espírito iluminado chamou de “greve política”, como se existisse outro tipo de greve.
"Crianças, venham à sala."

O despejo

Assino tudo e fico sem alternativa. O tribunal de primeira instância número 4 de Barcelona no nº 111 da Gran via dos tribunais da Catalunha. Processo de execução da garantia hipotecária xxx/2012, Secção 2C. Requerente Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, SA. Procuradora Irene Sola Sole. Devedor Cristina Fallarás Sánchez. Os nomes do requerente e da procuradora estão em maiúsculas, o meu em minúsculas.
De repente do Facebook e o Twitter ficam loucos, os rádios e as televisões também, e anda toda a gente à minha procura.
De repente do Facebook e o Twitter ficam loucos, os rádios e as televisões também, e anda toda a gente à minha procura. O telefone toca. É o produtor de um programa da noite de grande audiência.
"Olá Cristina, já sabemos da tua história que queríamos convidar-te para vir à emissão a um debate."
"Estou em Madrid para participar no festival Eñe de literatura."
"Preciso que estejas no estúdio às 8 da noite."
"É impossível. Isso é a hora a que acaba a minha mesa redonda. Na realidade tudo me parece complicado porque ainda por cima não tenho bilhete."
"Não faz mal. Enviamos-te um táxi, pagamos uma noite de hotel e fazemos-te chegar um bilhete."
Chego aos estudos da estação privada. Sentam-me ao lado de dois casais. O casal mais velho andará pelos 70 anos. Ela está preocupada com o cabelo e alisa o vestido num tique nervoso, está do outro lado do ecrã que se habitou a ver durante horas a fio durante uma reforma que sempre imaginou agradável. O marido, apesar do excesso de peso e da tez corada de macho rural instalado na cidade, parece já ter desistido. Vejo uma lágrima discreta cair-lhe da face.
O casal mais jovem inclui um homem já bem entrado nos quarenta, com uma mulher talvez uns cinco anos mais nova. No rosto a emoção de estarem num estúdio de televisão, um lugar quase mítico, reflete-se no seu ar espantado.
“Fomos despejados", explica-me o homem no seu sotaque da Andaluzia. "Primeiro despejaram-nos a nós e agora vão despejar os meus pais porque eles foram fiadores quando comprámos o nosso apartamento". E, com um movimento do queixo aponta para o pai. "Estamos os quatro a viver na rua com as crianças. A única coisa que nos resta é vir à televisão contar a história.”

A aceitação

Senti um murro no estômago. Um murro na cabeça. Que transparece na minha cara.
Senti um murro no estômago. Um murro na cabeça. Que transparece na minha cara. Subitamente já não sei o que estou a fazer ali, com estas quatro pessoas cuja provação me parece distante e estranha. “Isto é a última coisa que nos resta.” Como explicar que ainda não estamos todos no mesmo barco? Como explicar esta vontade súbita de fugir, chamar um táxi e voltar para casa?
Procurei desesperadamente um assistente de produção. Tenho de ter a certeza que não me vou sentar à beira de um precipício, à beira do qual pendem as pernas destas pessoas que olham para mim e perguntam porque estou aqui. Até aquele momento não tinha verdadeiramente percebido o que eu era. E sou assaltada pela dúvida: também serei um sem-abrigo? Estaria entre as centenas de milhares de pessoas que já não têm nada? Foi isso que me trouxe a este bairro dos arredores de Madrid?
"Desculpe, menina, pode dizer-me o que estou aqui a fazer?", pergunto eu à assistente de produção. Na minha voz um sentimento de irritação mal disfarçado. A jovem olha para mim, surpreendida.
"Participar no debate! Fica sentada entre fulano e fulano, que dão a sua opinião e..."
Quase me desprezo por não ter conseguido, vou lutar, mas como tantos outros fui despejada de casa. Mas ainda posso contar a minha história e isso ajuda-me. E depois, às vezes, vomito.
 
Este artigo foi publicado pela primeira vez em espanhol a 12 de dezembro de 2012, na revista digital argentina Anfibia

Quem é o soldado condenado por vazar segredos dos EUA

Quem é o soldado condenado por vazar segredos dos EUA

 

Atualizado em  30 de julho, 2013 

O soldado americano Bradley Manning cantarolava uma música de Lady Gaga enquanto baixava milhares de documentos confidenciais dos servidores do Exército americano para o seu computador, de acordo com um hacker que se tornou seu amigo.
Agora, o militar de 25 anos pode ser condenado a uma vida na prisão, depois de dar início ao que já é considerado o maior vazamento de arquivos secretos americanos.
Nesta terça-feira, em um tribunal militar, Manning foi condenado por espionagem, mas inocentado da acusação de ajudar os inimigos dos Estados Unidos ao divulgar mensagens diplomáticas e arquivos do Exército sobre a guerra do Afeganistão.
Manning foi considerado culpado de 20 acusações no total, incluindo roubo e fraude de computador.
Ele admitiu ter vazado os documentos para a organização WikiLeaks, mas disse que o fez para iniciar um debate sobre a política externa americana.
A sentença deve ser anunciada na próxima quarta-feira.
Como analista de inteligência no Exército, Manning tinha acesso a uma grande quantidade de informações confidenciais.
No entanto, ele era de baixa graduação e tinha um salário relativamente baixo.
De acordo com seus amigos, ele tinha se frustrado com a carreira militar, que parecia estar estagnada.

'Figura engraçada'

Manning entrou para o Exército em 2007 depois de passar por diversos empregos mal pagos.
Ele foi criado em Crescent, uma pequena cidade no Estado de Oklahoma, no centro sul do país. Seu pai, Brian, teria passado cinco anos no Exército.
Mas os pais de Manning se divorciaram quando ele era adolescente, e ele foi morar com sua mãe em Haverfordwest, no sudoeste do País de Gales.
Relatos na mídia britânica e americana dizem que sua adolescência foi difícil. Aparentemente, Manning tinha o temperamento explosivo e era frequentemente provocado por ser nerd.
"Ele se chateava e atirava livros na mesa se as pessoas não o escutassem ou entendessem seu ponto de vista", disse Chera Moore, uma colega de classe em Oklahoma, ao jornal New York Times.
Outro amigo da escola de Manning no País de Gales, James Kirkpatrick, disse à BBC que ele era "uma figura engraçada" e obcecado por computadores.
Segundo outros relatos, o adolescente passou por momentos difíceis na Grã-Bretanha, quando sofria abusos verbais por ser gay.
Ao terminar a escola, Manning voltou aos Estados Unidos e foi para o Exército. Amigos dizem que ele se alistou para ajudar a pagar a universidade.
"Claro que o Exército (americano) tem muita tecnologia e bom treinamento em computação, por isso entendo porque ele se alistou, mas ninguém esperaria que ele o fizesse", disse Kirkpatrick.

'Sensação ruim'

Como parte do batalhão de suporte da 2ª Brigada da 10ª Divisão da Estação de Operação de Contingência, Manning foi enviado para o Iraque em outubro de 2009, mas mensagens que deixava no Facebook mostram que ele não parecia estar feliz.
Em maio de 2009, ele escreveu no site que estava "para lá de frustrado com as pessoas e a sociedade como um todo".
Outras mensagens se seguiram, entre elas a que dizia: "Bradley Manning não é um equipamento".
Uma semana antes, ele tinha escrito: "Bradley Manning agora está com a sensação ruim de que já não tem nada". Algumas das atualizações parecem se referir ao fim de um namoro.
Semanas depois, no entanto, suas palavras pareceriam proféticas, quando ele foi preso por investigadores militares sob a suspeita de roubar informações secretas.
O hacker Adrian Lamo disse à mídia internacional que Manning havia confessado ter roubado os dados durante conversas que eles tiveram na internet.
"Ouvi e cantei (a música) Telephone, de Lady Gaga, enquanto extraía o que é possivelmente o maior derramamento de informações na história americana", teria escrito Manning, de acordo com uma transcrição das mensagens publicada no site da revista americana Wired.
"Servidores fracos, login fraco, segurança física fraca, contrainteligência fraca, análise de sinal desatenta...uma combinação perfeita", afirmou.
Lamo disse que levou as mensagens às autoridades.

Papel do exército

No dia 5 de julho de 2010, Manning foi acusado de diversas infrações relacionadas ao roubo de informações secretas.
Ele também foi acusado de dar à organização WikiLeaks um vídeo que mostrava um helicóptero militar Apache matando 12 civis em Bagdá em 2007.
O WikiLeaks liberou milhares de documentos relacionados à guerra com o Afeganistão para veículos de comunicação internacionais
O site também revelou mensagens confidenciais escritas por diplomatas americanos e registros militares da guerra do Iraque, causando vergonha ao governo americano.
Em março de 2011, o Exército fez mais 22 acusações extra sobre a possessão e distribuição não autorizada de mais de 720 mil segredos diplomáticos e documentos militares.
O soldado não negou o vazamento das informações e em fevereiro, se declarando culpado de 10 das acusações contra ele, mas não da mais séria delas ─ ajudar o inimigo.
Ele disse ao tribunal que divulgou os documentos para acender um debate público nos Estados Unidos sobre o papel do exército e sobre a política externa americana.
Além das múltiplas acusações de espionagem, Manning também foi considerado culpado de cinco acusações de roubo, duas acusações de fraude de computador e múltiplas infrações militares. Ele pode ser condenado ao máximo de 136 anos.
Um dos juízes militares admitiu que o tratamento que o soldado teve na prisão foi duro e concordou em reduzir sua pena em 112 dias, para compensá-lo.
Por causa da gravidade das acusações, Manning manteve um advogado civil que já foi reservista do Exército, David Coombs, que já participou de mais de 130 casos militares.
Um grupo de apoio ao soldado, The Bradley Manning Support, disse à rede de TV americana CNN que pagou cerca de US$ 150 mil (R$ 339 mil) pela defesa do soldado ─ a maioria conseguido com pequenas doações.

CIA torturou cubanos desaparecidos durante ditadura militar na Argentina

CIA torturou cubanos desaparecidos durante ditadura militar na Argentina

Corpos de dois diplomatas cubanos foram identificados pela 
Escola Argentina de Antropologia Forense e repatriados. 
Torturadores moram hoje nos EUA

30/07/2013



Aline Gatto Boueri,



Os diplomatas cubanos Jesús Cejas Arias e Crescencio Nicomedes Galañena Hernández foram torturados por agentes da CIA em território argentino durante a última ditadura militar do país (1976-1983). Segundo investigação divulgada nessa segunda-feira (29) pela agência de notícias estatal Infojus, a CIA enviou à Argentina os agentes Guillermo Novo Sampol, um cubano-americano que saiu de Miami rumo a Buenos Aires, e Michael Townley, que atuava no Chile junto à DINA (Direção de Inteligência Nacional) de Augusto Pinochet.
Em declaração à juíza argentina María Romilda Servini de Cubría, Michael Townley admitiu ter participado como autor material do assassinato do ex-chefe do Exército chileno Carlos Prats em 1974, em Buenos Aires. Servíni de Cubría viajou aos Estados Unidos em 1999 para interrogar o agente da CIA durante a investigação sobre o assassinado do general chileno.
Townley também foi acusado pelo assassinato de Orlando Letelier, ministro de Defesa de Salvador Allende, em setembro de 1976 durante seu exílio em Washington. O agente foi condenado por sua participação no atentado que matou Letelier, mas fez um acordo com a justiça estadunidense e recebe proteção como testemunha de crimes contra a humanidade cometidos no Chile durante o regime pinochetista.

Restos repatriados
Cejas Arias e Galañena Hernández foram sequestrados por agentes do regime militar argentino em 9 de agosto de 1976 nas imediações da Embaixada cubana em Buenos Aires. Ambos foram levados ao centro clandestino de detenção “Automotores Orletti”, no bairro portenho de Floresta, onde foram vistos pela última vez com vida.
O corpo de Galañena Hernández foi encontrado em junho de 2012 dentro de um barril enferrujado, cheio de cimento, às margens do Rio de la Plata, no município de Virreyes, no norte da Grande Buenos Aires. Os restos mortais de Cejas Arias foram descobertos junto ao de dois argentinos nas mesmas condições, um ano depois, no mesmo local.
Os restos mortais dos diplomatas foram repatriados após a identificação pela EAAF (Equipe Argentina de Antropologia Forense).

Automotores Orletti
O centro clandestino de detenção Automotores Orletti, onde os diplomatas cubanos foram torturados com a participação dos agentes da CIA, era a sede argentina da Operação Condor, uma aliança político-militar entre os regimes ditatoriais da América do Sul para colaboração na repressão, interrogatório, tortura e desaparecimento de presos políticos na região.
Em março de 2011, a justiça argentina condenou quatro repressores por sua atuação em Automotores Orletti. Eduardo Rodolfo Cabanillas, ex-general de divisão do Exército, foi condenado à prisão perpétua; os ex-agentes da SIDE (Secretaria de Intelegência de Estado) Honorio Martínez Ruiz e Eduardo Alfredo Ruffo receberam sentença de 25 anos de prisão; e Raúl Guglielminetti, ex-agente civil de inteligencia del Exército, foi condenado a 20 años de prisão.
Atualmente, Michael Townley e Guillermo Novo Sampol moram nos Estados Unidos.

Foto: Reprodução/Cubasi


Os caminhos para um acordo de paz entre Israel e palestinos

Os caminhos para um acordo de paz entre Israel e palestinos


Atualizado em  30 de julho, 2013

Jerusalém: um dos principais alvos da disputa | Foto: AFP
Lei Básica Israelense define: "Jerusalém, completa e unida, é a capital de Israel
Enquanto israelenses e palestinos se preparam para a primeira tentativa de um acordo de paz em quase três anos, sob liderança dos Estados Unidos, a BBC relaciona os principais pontos de divergência - ou convergência - entre as três partes envolvidas no processo.

As conversas foram retomadas nesta semana com os Estados Unidos como mediadores. O secretário de Estado americano, John Kerry, disse nesta terça-feira que a meta é chegar a um acordo final em um prazo de nove meses e que "todas as questões" que dividem israelenses e palestinos serão debatidas.
"Todas estarão na mesa, com um simples objetivo: uma visão para pôr fim ao conflito", declarou Kerry, afirmando que as duas partes estão comprometidas com "negociações sustentadas, contínuas e substanciais a respeito das questões centrais" em debate.
Segundo o governo americano, novas negociações serão realizadas nas próximas duas semanas, em Israel ou nos territórios palestinos, e os lados envolvidos concordaram em manter os detalhes em segredo.
Leia abaixo, um resumo dos principais pontos de disputa para a negociaçãop de um acordo de paz.

Jerusalém

Israel
O governo israelense não está disposto a dividir Jerusalém, local definido por Israel para ser o centro político e religioso da população judia. Essa definição está na Lei Básica Israelense, de 1980, que estabelece que "Jerusalém, completa e unida, é a capital de Israel". No passado, existia algum espaço para manobra para uma possível divisão de áreas nas fronteiras. Em tentativas de diálogo em 2000 e 2007, o governo israelense à época propôs a troca de alguns distritos mais afastados do centro de Jerusalém.
Palestinos
Os palestinos querem o leste de Jerusalém como capital do Estado da Palestina - a área era ocupada pela Jordânia antes de ser retomada pelos israelenses em 1967.
O leste de Jerusalém, também conhecido como "cidade velha", é considerado o terceiro lugar mais sagrado do Islã, local onde está a mesquita de al-Aqsa e a Cúpula da Rocha (ou Domo da Rocha), de onde, acreditam os palestinos, Maomé teria visitado o céu em seu cavalo alado Burak.
Estados Unidos
Os Estados Unidos não reconhecem a anexação feita por Israel do leste de Jerusalém e mantêm sua embaixada em Tel Aviv. O presidente Barack Obama se opôs ao plano de construir casas para israelenses no leste de Jerusalém. Ele chegou a dizer, antes de se tornar presidente, que a tarefa de dividir a cidade seria uma "muito difícil de executar".

Tensão

Secretário de estado americano, John Kerry (2º à esq.), à mesa com ministro da justiça israelense e chefe das negociações por Israel, Tzipi Livni (2º à dir) e com o chefe de negociações pela autoridade palestina, Saeb Erekat (à dir.). 29/07/13 | Foto: AFP
Em 26 de setembro de 2010, Israel deixou de renovar o acordo para 'congelar' os assentamentos na região da Cisjordânia. Sem renovação, conversa com palestinos pode se tornar mais difícil. Foto: AFP

Fronteiras

Israel
O primeiro-ministro israelense Benjamim Netanyahu aceita que um estado palestino deva existir e que haverá a necessidade de cessão de partes da Cisjordânia (área tomada por Israel em 1967) para acomodá-lo. Israel já retirou suas tropas e população dos assentamentos da faixa de Gaza. O país gostaria que a área de borda incluísse os assentamentos israelenses que cresceram na Cisjordânia e Jerusalém. Entretanto, alguns membros do Likud - partido de direita que faz parte do gabinete de Netanyahu - não aceitam a ideia da coexistência dos estados como solução para o conflito com os palestinos.
Palestinos
Eles querem que as negociações comecem a partir da premissa básica de que as terras tomadas por Israel em 1967 - a Cisjordânia, o leste de Jerusalém e Gaza - pertencem à futura Palestina. Qualquer área dada aos israelenses nesses locais deveria ser compensada por uma equilibrada troca de terras. Eles têm esperança de que o reconhecimento pela ONU e a regras definidas pela União Europeia para disputa, que foram baseadas no acordo de cessar-fogo de 1967, fortaleceram a posição palestina nas negociações com Israel.
Estados Unidos
Os EUA concordam com a premissa palestina para o início das negociações, mas não com o seu final. Eles discordam sobre o uso das regras definidas em 1967 e sobre o fato de que a troca de terras deva ser feito com base em qualquer acordo.

Assentamentos

Israel
O governo israelense insistiu previamente em manter seus principais assentamentos no leste de Jerusalém e na região da Cisjordânia. Qualquer mudança nessa premissa romperia a coalizão que forma o governo de Israel. O país recusou-se a reintroduzir o congelamento parcial dos assentamentos com uma precondição para retomar o diálogo. O último congelamento expirou em 26 de setembro de 2010.
Palestinos
Para os palestinos, o ideal seria que todos os assentamentos israelenses fossem abandonados, como aconteceu em Gaza. Entretanto, eles parecem aceitar que alguns assentamentos israelenses possam permanecer, e devem requisitar o estabelecimento de um número limite para isso, além de uma troca de terras equivalente à quantidade que porventura venha a ficar. Eles não participaram da última rodada de negociações com Israel depois que o acordo para o congelamento das áreas, feito em 26 de setembro de 2010, não foi renovado pelos israelenses.
Estados Unidos
Assim como a anexação do leste de Jerusalém não é aceita pelos americanos, os EUA também não reconhecem a legitimidade internacional dos assentamentos israelenses na região da Cisjordânia. Mas eles aceitam que esta é uma realidade e devem fazer pressão para um compromisso.

Refugiados

Israel
Os israelenses rejeitam a ideia de que aos refugiados palestinos de guerras anteriores deveria ser possibilitado o "direto de retorno" às suas antigas casas. Eles dizem que este seria um mecanismo para destruir o estado de Israel pela demografia, já que isso estabeleceria um estado palestino unitário. Por esta razão, Netanyahu defende que Israel deva ser reconhecido como um estado judeu.
Palestinos
Formalmente, os palestinos mantém a ideia do "direito de retorno", argumentando que sem ele uma grande injustiça não seria desfeita. Entretanto, negociações regulares entre os próprios palestinos definem que este "direito" poderia ser atingido por meio de compensação. Eles refutam o conceito de Israel como um "estado judeu", afirmando que isto é desnecessário e que ignora os direitos dos cidadãos israelenses que são árabes.
Estados Unidos
Os EUA entendem a recusa de Israel em aceitar refugiados palestinos em seu território e esperam que a questão possa ser resolvida pela compensação e ajuda humanitária para aqueles que não conseguirem retornar para a sua antiga moradia.

Segurança

Israel
O governo israelense teme que um estado palestino algum dia possa cair nas mãos do grupo extremista Hamas ou que seja utilizado para atacar Israel. Por isso, eles têm insistido em manter amplas medidas de controle de segurança na área do vale do rio Jordão e pedem para que o estado palestino seja amplamente desmilitarizado.
Palestinos
Argumentam que a segurança na região será conseguida pela coexistência estável dos dois estados - palestino e israelense. Os palestinos querem que o estado da Palestina seja reconhecido com o máximo de atributos de um estado comum. O presidente da autoridade palestina, Mahmoud Abbas, teme que um estado com status de cliente - sem o poder total atribuído a um estado comum - não poderia ser mantido e ficaria aberto ao controle do Hamas.
Estados Unidos
Os EUA aceitam a necessidade israelense por segurança, mas também compreendem que os palestinos precisam de um estado e a conciliação dessas duas posições é um objetivo da diplomacia americana. Entretanto, é improvável que reconheça um estado palestino que não saia de uma negociação. O secretário de estado americano, John Kerry, apontou o general aposentado John Allen como um conselheiro especial para tratar das questões de segurança israelenses.