BRASIL ENCABEÇA CORRIDA CONTRA
HEGEMONIA DOS EUA NA REDE
Camila Moreira Cesar, pesquisadora associada do ISAPE, jornalista e Mestranda em Communication et Information na Université Sorbonne Nouvelle Paris III.
Após descobrir no ano passado que a agência de inteligência norte-americana NSA havia interceptado suas comunicações, a presidente Dilma Rousseff intensificou o combate à hegemonia dos Estados Unidos na governança da web, colocando o Brasil na vanguarda do processo.

Imagem: Canal Tech.
Diego Canabarro, pesquisador em Política na Era Digital e Governança da Internet, explica que mesmo que os Estados Unidos tenham manifestado uma abertura da atual gestão da rede, ainda é prematuro falar em uma completa “desamericanizaçao” do processo. A maior parte das empresas de bens e serviços ligados à internet são americanas, o que mostra que o processo de reformulação da governança do ciberespaço ainda terá de enfrentar muitas etapas até que se chegue a uma verdadeira mudança da paisagem informacional atual.
Para o pesquisador, a chamada de atenção do governo brasileiro para a questão concretiza uma vontade antiga do país na busca de alternativas para combater a dominância dos EUA na rede. “Desde o início do processo de institucionalização de governança da internet em 1998 e, mais especificamente, a partir das reuniões da Cúpula Mundial sobre as Sociedades de Informação de 2003 e 2005, o Brasil já vem tentando mostrar para o mundo que é necessário uma democratização do ciberespaço, que é necessário que países desenvolvidos e menos desenvolvidos também sejam integrados no processo para determinar como vai se dar o avanço da tecnologia pelo planeta”, afirma.
Aprovação do Marco Civil da Internet e realização do NetMundial apontam avanços no debate
O professor de Design Digital e pesquisador Gilberto Consoni também chama a atenção para a necessidade de criar condições estruturais viáveis nos países para que o projeto se concretize, mas aponta o lugar privilegiado que a internet ocupa na economia norte-americana. “A internet é comercial, e os EUA dependem dessa internet comercial. Segundo Daniel Castro, que é o analista sênior da Information Technology and Innovation Foundation , as perdas em função dessas denúncias podem chegar a 35 bilhões de dólares em 2016”, aponta.
Consoni também destaca o papel pioneiro do Brasil na luta pela democratização das comunicações e pela preocupação com a segurança na rede, que resultou no Marco Civil da Internet (espécie de Constituição para internautas e provedores) aprovado na última terça-feira (22) pelo Senado e sancionado pela presidente Dilma durante a abertura do NetMundial, conferência realizada em São Paulo nos dias 23 e 24 de abril para discutir as atuais assimetrias da governança da internet. “Há anos se discute a questão da liberdade de expressão e segurança na rede e o governo foi bastante cuidadoso nisso. Chamou tanto a sociedade civil, que é a principal interessada, as empresas e setor político para debater o tema”, adiciona.
Para Canabarro, o modelo brasileiro é uma excelente proposta que pode servir de inspiração a outros países e promover, a longo prazo, uma dinâmica de governança global mais participativa e democrática. Ele lembra a importância do Comitê Gestor da Internet no Brasil, orgão multisetorial criado em 1995 e que integra representantes do governo, do setor privado, terceiro setor e representantes da academia e técnicos para debater as questoes ligadas à governança na rede. “Esse Comitê adotou uma carta de 10 princípios fundamentais que são projetados como o cenário ideal para se organizar as coisas na internet, como a proteção dos direitos humanos fundamentais, inclusão digital e neutralidade da internet. Essa carta evoluiu para que a própria sociedade brasileira, através do Marco Civil, quisesse decidir e delimitar de forma mais institucionalizada os direitos e deveres de todos os usuários e provedores de bens e serviços de internet que operam dentro do país”, salienta.
Segundo os pesquisadores, a visibilidade que o tema ganhou depois das denúncias do ano passado tem a tarefa de alertar o mundo para a maneira desequilibrada como o ciberespaço vinha sendo governado até então. “Acredito que o legado do NetMundial seja de alertar todos os usuários a respeito da necessidade conhecer o tema e se inserir nos debates e dar publicidade a essa realidade americanizada, assimétrica, que precisa ser constantemente combatida para que a maior parte da população do planeta também tenha condições de aproveitar os benefícios dessa ferramenta”, enfatiza Canabarro, lembrando que aproximadamente 65% das pessoas no mundo não tem acesso à rede.
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