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quinta-feira, 6 de março de 2014

Cinco perguntas e respostas sobre a invasão russa da Crimeia

Cinco perguntas e respostas sobre a invasão russa da Crimeia



Andando por aqui, seria impossível pensar que todas as TVs do mundo olham para este lugar como uma zona de guerra. Mas as bases militares estão cercadas.


Alberto Sicília - Principia Marsupia
 Forças russas cercando a base de Perevalnoe, Crimeia. Fotografía de Alberto Sicilia.

1. A Rússia já controla a Crimeia?

Sim. As forças russas controlam todos os pontos estratégicos desta península e mantêm cercos a todos os quartéis do exército ucraniano.

Até agora não ocorreu nenhum confronto armado e é provável que não seja disparado um só tiro: as forças ucranianas sabem que não teriam qualquer possibilidade de vitória se começasse a guerra.

2. E a população tem muito medo dos russos?

Não. Bem pelo contrário. A maioria da população da Crimeia está muito contente com a chegado dos russos.

Há que recordar que a maioria aqui é de origem russa e que eram contra as manifestações na praça de Kiev. Assustaram-se muitíssimo quando caiu o governo de Ianukovich.

Quem agora tem medo na Crimeia são as minorias ucraniana e tártara.

Os tártaros são o povo autóctone da Crimeia. Durante a Segunda Guerra Mundial, alguns colaboraram com o Exército Nazi. Stálin acusou todo o povo tártaro de “colaboracionismo” e deportou-o para o Uzbequistão, a milhares de quilômetros daqui. Em 1947, os tártaros tinham desaparecido da Crimeia. Desde a queda da União Soviética, milhares de tártaros voltaram mas ainda continuam a ser uma minoria.

3. Há tanques pelas ruas?

Não. A vida nas ruas das cidades da Crimeia continua o seu ritmo quotidiano. Todas as lojas continuam abertas, as pessoas continuam a ir trabalhar e as crianças a ir à escola.

Passeando por aqui seria impossível pensar que todas as televisões do mundo olham para este lugar como uma “zona de guerra”.

A situação é muito diferente nas bases, a uma dezena de quilômetros da capital. Lá, os soldados russos cercam os soldados ucranianos.

4. O Kremlin ainda não confirmou que enviou tropas para a Crimeia e os meios de comunicação dizem que as tropas que cercam os quartéis não têm identificação. São, de fato, russos?

Sim, sem nenhuma dúvida. São forças especiais do Exército Russo.

As matrículas de seus veículos são do exército russo, a sofisticação dos equipamentos de comunicação que utilizam, as armas que têm e a disciplina e a organização tática que estão a demonstrar deixam claro que não se trata de um “pequeno grupo de paramilitares pró-russos”.

Apesar de o Kremlin não ter confirmado, aqui no terreno todas as pessoas (tanto a maioria que está a favor da intervenção quanto as minorias que se opõem) têm claro de que se trata de forças russas.

Um ponto mais: que as forças especiais de qualquer exército não levem distintivos em ação é uma prática bastante habitual. Isso proporciona ao seu governo “tempo diplomático” para criar factos sobre o terreno antes de negociar com outros países.

Por exemplo, o destacamento de Navy Seals que os EUA enviaram ao Paquistão para matar Bin Laden também não tinha qualquer distintivo. Se a operação tivesse saído mal, Obama teria negado que essas tropas (que entraram num país soberano sem permissão) fossem suas.

5. O governo de Kiev qualificou de ato de guerra” a intervenção russa e disse que responderá militarmente. Está para começar uma guerra pela Crimeia?

Eu acho que não.

Parece-me que o presidente interino da Ucrânia fez essas declarações virado para a plateia internacional. Quer chamar a atenção sobre a situação do seu país para que a Europa e os EUA o ajudem, sobretudo economicamente. As reservas do Banco Central da Ucrânia são ínfimas atualmente.

O governo de Kiev sabe que já perdeu a Crimeia. E o problema para eles não só são as tropas do Kremlin mas sim que, além disso, a maioria da população aqui apoia os russos e considera ilegítimo o governo de Kiev.

A única coisa que poderia desestabilizar a Crimeia hoje é que as minorias tártara ou ucraniana formassem algum tipo de guerrilha ou comando de autodefesa. Por agora não temos nenhuma notícia a esse respeito.
 
 

NOTA: Continuo na Crimeia e durante todo o dia continuarei a contar minuto a minuto o que vejo.
 
(*) Publicado originalmente no blog Principia Marsupia, de Alberto Sicilia.


Créditos da foto: Forças russas cercando a base de Perevalnoe, Crimeia. Fotografía de Alberto Sicilia.



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