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terça-feira, 24 de junho de 2014

50 verdades sobre o rei espanhol Juan Carlos, herdeiro direto da ditadura franquista

50 verdades sobre o rei espanhol Juan Carlos, herdeiro direto da ditadura franquista


Reprodução
Rei Juan Carlos I de Bourbon renunciou ao trono espanhol aos 76 anos de idade em favor de seu filho Felipe, Príncipe de Astúrias
24/06/2014
Por Salim Lamrani
De Paris (França)
Depois de 38 anos de reinado, no dia 2 de junho de 2014, Juan Carlos I de Bourbon, aos 76 anos de idade, decidiu abdicar do trono da Espanha em favor de seu filho Felipe, Príncipe de Astúrias.
1. Juan Carlos Alfonso Víctor Maria de Bourbon e Bourbon-Duas Sicílias, ou Juan Carlos I, nasce no dia 5 janeiro de 1938, em Roma, da união de dom Ju­an, conde de Barcelona, e dona María das Mercedes de Bourbon, princesa das Sicílias, que tiveram quatro filhos: Pilar (1936), Juan Carlos, Margarita (1939) e Alfonso (1941).
2. Juan Carlos é neto de Alfonso XIII por parte de pai e membro da dinastia ca­petiana dos Bourbons, da qual procedem os reis da França desde Henrique IV.
3. O jovem Juan Carlos passa seus pri­meiros quatro anos de infância em Ro­ma, onde a família real reside em exílio desde a proclamação da Segunda Repú­blica no dia 14 de abril de 1921. Em 1942, dom Juan, sem trono, decide se instalar em Lausanne, na Suíça.
4. O general Francisco Franco, gover­nando com mãos de ferro desde 1939, se interessa muito rápido por Juan Carlos. No dia 25 de agosto de 1948, o ditador e o conde de Barcelona — que tinha apoia­do os fascistas durante a Guerra Civil — se reúnem secretamente no Golfo de Bis­caia e decidem juntos que Juan Carlos se instalaria na Espanha para receber uma educação franquista. O objetivo do gene­ralíssimo é reinstalar, no longo prazo, a Casa de Bourbon no trono. No dia 8 de novembro de 1948, o jovem príncipe via­ja pela primeira vez para a Península Ibé­rica e vive ali um ano.
5. Em 1950, depois de viver um ano na residência familiar em Estoril, Portu­gal, Juan Carlos volta para a Espanha pa­ra seguir seus estudos sob a tutela bené­vola de Franco.
6. De 1955 a 1959, Juan Carlos, depois do bacharelado, recebe instrução mili­tar na Academia Geral Militar de Zarago­za, na Escola Naval Militar de Marín e na Academia Geral do Ar de San Javier. O ditador escolhe pessoalmente essas insti­tuições e segue de perto a carreira de seu futuro sucessor.
7. No dia 20 de março de 1956, Alfon­so, irmão mais novo de Juan Carlos, de 14 anos, perde a vida com uma bala de revólver na cabeça, na residência fami­liar de Estoril. A declaração oficial da fa­mília real relata que o jovem Alfonso se matou acidentalmente ao manipular a arma. Na verdade, o responsável pelo acidente é Juan Carlos. Nenhuma inves­tigação é realizada e Alfonso é enterrado no dia seguinte. Franco intervém então, pessoalmente, e pede ao seu irmão Nico­lás Franco, embaixador da Espanha em Lisboa, que escreva um falso comunica­do sobre o caso para proteger Juan Car­los. Dom Jaime, irmão de dom Juan e tio do jovem Alfonso, é o único a exigir uma investigação, em vão: “Exijo que se leve adiante esse inquérito porque é meu de­ver de chefe da Casa de Bourbon e por­que não posso aceitar que aspire ao tro­no da Espanha quem não sabe assumir suas responsabilidades”. Em outubro de 1992, Juan Carlos, então rei da Espanha há 17 anos, aquiesceria à petição de seu pai e repatriaria os restos de seu irmão ao panteão real.
8. Em 1962, Juan Carlos, aos 24 anos, se casa com a princesa Sofia da Grécia em Atenas. Eles têm três filhos: a infanta Elena (1963), a infanta Cristina (1965) e o príncipe Felipe (1968).
9. Em 1963, Franco persuade o jovem casal a se instalar no palácio em Zarzue­la, Madrid, apesar da feroz oposição do conde de Barcelona, que entende as ma­nobras do ditador para privá-lo do trono.
10. Vários membros do Opus Dei ro­deiam e assessoram Juan Carlos.
11. Em janeiro de 1966, Juan Car­los faz uma declaração à revista estadu­nidense Time e jura fidelidade a seu pai: “Nunca aceitarei a coroa enquanto meu pai estiver vivo”.
12. Mas, no dia 5 de março de 1966, em ocasião da comemoração do 25º ani­versário da morte de Alfonso XIII, se­guindo os conselhos de Franco, Juan Carlos se nega a participar da reunião do Conselho Privado do conde de Barcelo­na em Estoril, destinada a reafirmar os direitos dinásticos de Juan de Bourbon. Juan Carlos escolhe romper a unidade dinástica para aceder ao poder.
13. Em 1969, Franco decide nomear oficialmente Juan Carlos seu sucessor, baseando-se na Lei de Sucessão de Che­fatura do Estado de 1947. Rompe, assim, as regras dinásticas que estipulam que Juan de Bourbon e Battenberg, legítimo herdeiro do rei Alfonso XIII, deve ocupar o trono.
14. Don Juan se inteira da notícia e re­cebe uma carta de seu filho Juan Carlos, que pede sua benção. Sua resposta é con­tundente: “Qual monarquia você vai sal­var? Uma monarquia contra seu pai? Vo­cê não salvou nada. Quer salvar uma mo­narquia franquista? Nem estou de acor­do, nem darei minha benção nunca, nem aceitarei jamais que você possa ser rei da Espanha sem o consentimento da mo­narquia, sem passar pela dinastia”. Deci­de, então, tirar-lhe o título de “Príncipe de Astúrias”.
15. Frente a isso, Franco decide ou­torgar o título de “Príncipe da Espanha” — jamais usado antes — a Juan Carlos. O sucessor designado presta juramento em julho de 1969 e jura fidelidade ao fran­quismo, aos princípios do Movimento Nacional (o partido criado pelo genera­líssimo) e às Leis Fundamentais (impos­tas pelo ditador durante seu reinado em substituição à Constituição).
16. Juan Carlos, muito próximo de Franco, não deixa de elogiar o líder au­toritário em uma entrevista para a tele­visão francesa em 1969: “O general Fran­co é verdadeiramente uma figura decisi­va histórica e politicamente para a Espa­nha. Soube resolver nossa crise de 1936. Desempenhou um papel político para nos tirar da Segunda Guerra Mundial. Nos últimos 30 anos, lançou as bases do desenvolvimento [do país]. Para mim é um exemplo vivo, por sua dedicação pa­triótica diária a serviço da Espanha. Te­nho por ele um grande afeto e uma gran­de admiração”.
17. Em janeiro de 1971, Juan Carlos viaja para os Estados Unidos a convite do presidente Richard Nixon para estrei­tar os laços com Washington, que dá seu apoio ao regime franquista desde os anos de 1950.
18. Franco fica gravemente doente e Juan Carlos é designado pela primeira vez Chefe do Estado interino entre 19 de julho e 2 de setembro de 1974. No dia 18 de julho de 1974, chega a substituir o ge­neralíssimo na celebração do aniversário da sublevação de 1936 contra a Repúbli­ca espanhola.
19. No dia 20 de julho de 1974, Ju­an Carlos realiza seu primeiro ato ofi­cial e assina uma declaração conjunta com os Estados Unidos para prorrogar o Tratado de Ajuda Mútua entre ambos os países.
20. No dia 30 de outubro de 1975, Ju­an Carlos assume outra vez o papel de Chefe de Estado até 20 de novembro de 1975. Umas semanas antes, no dia 1 de outubro de 1975, tinha aparecido ao la­do de Franco durante uma reunião orga­nizada pelo regime em resposta à conde­nação, por parte da comunidade interna­cional, da execução de cinco presos po­líticos.
21. A biografia oficial publicada no si­te da Casa Real omite cuidadosamente os estreitos laços entre Franco e Juan Car­los. Não é feita qualquer menção a seus cargos políticos antes de 22 de novembro de 1975.
22. Dois dias depois da morte de Franco, no dia 20 de novembro de 1975, as cortes franquistas proclamam Juan Carlos rei da Espanha, respeitando assim a vontade expressada pelo generalíssimo em uma mensagem póstuma para a na­ção: “Peço-lhes que preservem a unidade e a paz e que rodeiem o futuro rei da Es­panha, Juan Carlos de Bourbon, do mes­mo afeto e lealdade que me deram”. O novo rei se encontra, então, “muito bem atado” ao trono.
23. A biografia oficial da Casa Real re­lata esse episódio nesses termos: “De­pois da morte do chefe de Estado ante­rior, Francisco Franco, dom Juan Carlos foi proclamado rei, no dia 22 de novem­bro de 1975, e pronunciou nas cortes sua primeira mensagem à nação, na qual ex­pressou as ideias básicas de seu reinado: restabelecer a democracia e ser o rei de todos os espanhóis, sem exceção”.
24. Porém, a realidade histórica con­tradiz essa afirmação. Longe de advo­gar por uma transição democrática, Ju­an Carlos, pelo contrário, jura fidelidade ao legado franquista e afirma que seguirá desenvolvendo sua obra: “Juro por Deus e pelos Santos Evangelhos cumprir e fa­zer cumprir as Leis Fundamentais do rei­no e guardar lealdade aos princípios do Movimento Nacional”. Durante seu dis­curso, prestou um vibrante tributo ao di­tador. “Uma figura excepcional entra pa­ra a história. O nome Francisco Franco já é um marco do acontecer espanhol ao qual será impossível deixar de se referir para entender a chave da nossa vida polí­tica contemporânea. Com respeito e gra­tidão, quero lembrar a figura que duran­te tantos anos assumiu a pesada respon­sabilidade de conduzir o governo do Es­tado”. Em nenhum momento, Juan Car­los fala de democracia nem evoca a ins­tauração de um processo de transição de­mocrática.
25. Da mesma maneira, durante seu discurso de Natal, de 24 de dezembro de 1975, Juan Carlos elogia Franco no­vamente: “O ano que finaliza nos deixou um selo de tristeza que tem como sempre a enfermidade e a perda dele que foi du­rante tantos anos nosso generalíssimo. O testamento oferecido ao povo espanhol é sem dúvida um documento histórico que reflete as enormes qualidades huma­nas, os enormes sentimentos de patrio­tismo sobre os quais quis assentar toda a sua atuação à frente de nossa nação. Te­mos as bases muito firmes que nos dei­xou uma geração sacrificada e o esforço titânico de alguns espanhóis exemplares. Hoje, lhes dedico aqui uma homenagem de respeito e admiração”.
26. Enquanto as manifestações e as greves se multiplicam por todo o país, apesar da sangrenta repressão, enfren­tando a resistência armada do grupo se­paratista basco ETA e dos comunistas da Frap (Frente Revolucionária Antifascista e Patriótica) e dos Grapo (Grupos de Re­sistência Antifascista Primeiro de Outu­bro), o rei da Espanha toma consciência de que a manutenção do status quo é im­possível e a mudança é inevitável. Perce­be que o franquismo não vai sobreviver depois do desaparecimento de seu líder.
27. Entretanto, em 1975, decide no­mear Adolfo Suárez, antigo presidente do Movimento Nacional, como chefe do governo.
28. Frente à oposição republicana, que vê nele um herdeiro do franquismo, Juan Carlos conclui um pacto: abrirá o caminho para uma transição democráti­ca desde que a monarquia seja restabele­cida. Apresenta-se como garantia da re­conciliação de todos os espanhóis.
29. No dia 18 de novembro de 1976, a Lei para a Reforma Política, que abre ca­minho para uma transição democrática, é aprovada por referendo com 95% dos votos. São legalizados os partidos polí­ticos, inclusive o Partido Comunista Es­panhol, e se decreta a anistia para alguns presos políticos.
30. No dia 14 de maio de 1977, Juan Carlos obriga seu pai, conde de Barcelo­na e legítimo herdeiro do trono, a renun­ciar a seus direitos dinásticos para garan­tir seu poder e legitimar o cargo que ocu­pa pela vontade do homem que desatou a Guerra Civil entre 1936 e 1939. Juan Car­los se transforma, então, no Príncipe de Astúrias, no dia 1 de novembro de 1977.
31. Em junho de 1977, acontecem na Espanha — privada de Constituição de 1936 a 1978 — as primeiras eleições de­mocráticas desde 1936. A UCD (União de Centro Democrático), partido do presidente do governo Adolfo Suárez, nomeado pelo rei, vence o escrutínio. O novo Parlamento — para o qual Ju­an Carlos nomeou 41 senadores, seguin­do uma prática instaurada por Franco — adota a Constituição de 1978 (a qual é ratificada por referendo com 95% dos votos) que faz da Espanha uma monar­quia parlamentar e que reconhece Juan Carlos como o “herdeiro legítimo da di­nastia histórica” (artigo 57). A nova Car­ta Magna substitui as Leis Fundamen­tais franquistas.
32. O rei é chefe de Estado e das For­ças Armadas e garante a unidade da na­ção. Sanciona e ratifica as leis, nomeia o presidente do governo e pode dissolver o parlamento com o aval do presidente do Congresso. Representa o país interna­cionalmente e exerce o direito de indul­to (artigo 62). Credencia os embaixado­res, assina os tratados internacionais e dispõe do poder de declarar guerras, por meio da autorização do Parlamento (ar­tigo 63). Por fim, como estipula o artigo 56, dispõe de imunidade total e absoluta em todos os crimes e delitos, inclusive no caso de traição à Pátria.
33. Juan Carlos I de Bourbon se be­neficia de um salário anual para custear as necessidades de sua família e o distri­bui livremente (artigo 63). Segundo a Ca­sa Real, para o ano de 2014, esse salário é de 7,8 milhões de euros.
34. Entretanto, segundo o coronel aposentado Amadeo Martínez Inglés, es­tudioso da Casa Real e crítico de Juan Carlos, o custo real da monarquia sobe para mais de 560 milhões de euros por ano. Ao orçamento inicial diretamen­te entregue à Casa Real, é necessário so­mar os orçamentos do ministério da Pre­sidência (administração real, recepções, preservação do patrimônio nacional re­servado ao uso da família real), do regi­mento da Guarda Real e das forças arma­das encarregadas da proteção do rei du­rante suas viagens assim como de toda a logística, o custo que representa a segu­rança da Casa Real da qual se encarrega o ministro de Interior, os gastos com via­gens ao exterior (Ministério de Assuntos Exteriores), o custo dos funcionários da Casa Real (372 empregados) etc.
35. O The New York Times estimou a fortuna pessoal do rei da Espanha em cerca de 2 bilhões de euros.
36. No dia 23 de fevereiro de 1981, a jovem democracia espanhola enfrenta uma tentativa de golpe militar de Estado orquestrado pelo tenente-coronel Anto­nio Tejero. O Congresso dos Deputados é tomado de assalto por cerca de 300 guar­das civis e 100 soldados, no momento da cerimônia de posse do candidato à presi­dência Leopoldo Calvo Sotelo. O Exército ocupa vários pontos estratégicos da capi­tal e do país. O rei Juan Carlos intervém sete horas depois pela televisão para con­denar a tentativa golpista: “A Coroa, sím­bolo da permanência e da unidade da pá­tria, não pode tolerar, de forma alguma, ações ou atitudes de pessoas que preten­dam interromper com a força o processo democrático que a Constituição votada pelo povo espanhol determinou em seu momento por meio de referendo”. Es­sa intervenção reforça a imagem do rei, considerado o salvador da democracia.
37. Em 1981, Juan Carlos se reú­ne com o presidente estadunidense Ro­nald Reagan e decide integrar a Espanha à Otan em 1982. Nesse mesmo ano, o PSOE (Partido Socialista Operário Espa­nhol) chega ao poder e o novo presiden­te do governo, Felipe González, mantém excelentes relações com a Coroa.
38. Entre 1983 e 1987, sob o gover­no de Felipe González, os GAL (Grupos Antiterroristas de Libertação), esqua­drões da morte criados pelo Estado espa­nhol para lutar contra os bascos indepen­dentes, assassinam 27 pessoas, a maioria opositores políticos. Oficialmente, Juan Carlos I ignorava tudo desta política de terrorismo do Estado. Essa versão é pou­co crível. Na verdade, o rei tinha a fama de se manter minuciosamente informa­do sobre a situação do país e recebia rela­tórios diários.
39. Em 1992, o diário conservador es­panhol El Mundo revela a existência de uma relação extraconjungal entre Juan Carlos e a decoradora maiorquina Marta Gayá, o que provoca um escândalo.
40. No dia 1 de outubro de 1995, Ju­an Carlos é vítima de uma tentativa de assassinato em Palma de Maiorca, or­questrada pela organização separatista basca ETA.
41. Em 2002, durante o golpe de Es­tado contra o presidente Hugo Chávez na Venezuela, a Espanha de Juan Carlos de Bourbon e do presidente do governo José María Aznar é o único país do mun­do, junto aos Estados Unidos, a dar re­conhecimento oficial à junta golpista de Pedro Carmona Estagna. Durante seu comparecimento perante a Comissão de Assuntos Exteriores do Congresso espa­nhol, no dia 1 de dezembro de 2004, Mi­guel Ángel Moratinos, então ministro de Assuntos Exteriores, se expressou clara­mente a respeito: “Minhas afirmações foram: 1. que houve um golpe de Esta­do na Venezuela; 2. que o embaixador espanhol recebeu instruções do gover­no; 3. que o objetivo dessas instruções, ou, melhor dito, para evitar julgamen­tos de intenção, que o efeito da execu­ção dessas instruções e de outras atua­ções foi apoiar o golpe [...]. Minhas pa­lavras devem ser entendidas no sentido de que, por apoiar quis e quero dizer que não condenou o golpe de Estado, que o endossou, e que lhe ofereceu legitimida­de internacional”.
42. Em 2003, Juan Carlos, chefe das Forças Armadas, decide envolver a Es­panha na guerra contra o Iraque, ilegal segundo o direito internacional, zom­bando da vontade do povo espanhol, oposto em sua imensa maioria ao que considerava uma agressão de um país soberano para controlar seus recursos energéticos.
43. Em novembro de 2007, durante a XVII Cúpula Ibero-Americana no Chi­le, Juan Carlos ataca o presidente Hugo Chávez da Venezuela de um jeito pou­co cortês. “Por que não cala a boca?”. O presidente Hugo Chávez tinha lembra­do que Madrid tinha efetivamente dado seu apoio ao golpe de Estado de 2002. “É difícil pensar que o embaixador vai estar apoiando aos golpistas, que vai ao Palácio presidencial sem a autoriza­ção de sua majestade”. Depois do ataque do rei, Chávez pediu respeito lembran­do que era chefe de Estado “como o rei, com a diferença de que eu fui eleito três vezes e ele não”.
44. Em abril de 2012, Juan Carlos I é vítima de uma fratura no quadril durante um safári em Botsuana. Numerosas vo­zes se levantaram contra essa viagem que custou várias dezenas de milhares de eu­ros ao contribuinte espanhol enquanto o país atravessava uma das piores crises econômicas de sua história, e muitas pes­soas, sobretudo as categorias mais vulne­ráveis, estavam abandonadas à sua sor­te por um governo que decidiu fazer das políticas de austeridade uma prioridade e desmantelar todo o sistema de proteção social. Para recuperar o prestígio perdi­do, o rei apresentou suas desculpas à na­ção — feito único em seu reinado — no dia 18 de abril de 2012. “Sinto muito. Eu errei e não voltará a acontecer.” Mas esse mea culpa não teve os resultados espera­dos em uma população atingida pela cri­se econômica.
45. Numerosas vozes se levantaram para expressar a censura imposta aos meios de comunicação ou o “Pacto de Si­lêncio” entre a Coroa e a Federação de Imprensa, em relação a tudo o que tem a ver com a figura do rei. Da mesma ma­neira, várias pessoas foram condenadas à prisão por injúrias ao rei (Mariano Del­gado Francés em 1988, Ceuta Abdclau­thab Buchai em 1989 etc.).
46. No dia 2 de junho de 2014, Juan Carlos decide abdicar em favor de seu fi­lho Felipe de Bourbon e Grécia, o qual to­mará o nome de Felipe VI. O rei explica as razões: “Esses anos difíceis nos per­mitiram fazer um balanço autocrítico de nossos erros e de nossas limitações como sociedade [...]. Na construção [do] futu­ro, uma nova geração reclama com justa causa o papel de protagonista [...]. Hoje, merece passar à linha de frente uma ge­ração mais jovem, com novas estratégias, decidida a empreender com determina­ção as transformações e reformas que a conjuntura atual está demandando, e afrontar, com intensidade renovada e de­dicação, os desafios do amanhã [...]. Meu filho Felipe, herdeiro da Coroa, encarna a estabilidade que é o sinal da identidade da instituição monárquica [...]. O Prínci­pe de Astúrias tem a maturidade, a pre­paração e o sentido de responsabilidade necessários para assumir com plenas ga­rantias a chefatura do Estado e abrir uma nova etapa de esperança na qual se com­binem a experiência adquirida e o impul­so de uma nova geração [...]. Por tudo is­so, guiado pelo convencimento de pres­tar o melhor serviço aos espanhóis [...], decidi pôr fim ao meu reinado e abdicar da Cora da Espanha”.
47. O artigo 57 da Constituição, que aborda a questão da sucessão de Juan Carlos, privilegia “o homem à mulher”, legitimando assim a designação de Feli­pe. No entanto, vários juristas conside­ram inconstitucional esse artigo, já que contraria o artigo 13 que estipula que “os espanhóis são iguais perante a lei, sem que possa prevalecer nenhuma dis­criminação por razão de nascimento, ra­ça, sexo, religião, opinião, ou qualquer outra condição ou circunstância pesso­al ou social”.
48. Nesse mesmo dia, manifestações cidadãs de dezenas de milhares de pes­soas explodiram por todo o país, recla­mando um referendo sobre a estrutura do Estado espanhol e a instauração de uma República. Segundo várias pesqui­sas, mais de 60% dos espanhóis desejam uma consulta popular.
49. Juan Carlos deixa um país em ple­na crise econômica com uma taxa de de­semprego de 26%, recorde europeu, e mais de 6 milhões de desempregados; um número sem precedentes de suicí­dios — nove por dia — desde que come­çou a crise econômica em 2008; e mais de 3 milhões de pessoas (ou seja, 6,4% da população) que vivem em condições de “pobreza severa”, isto é, com menos de 307 euros por mês.
50. Apesar da transição democrática e do estabelecimento de uma monarquia parlamentar, apesar dos esforços para esconder seus laços íntimos com Franco, o rei Juan Carlos I de Bourbon e Bourbon nunca conseguiu se libertar de seu déficit de legitimidade por causa de uma man­cha indelével: foi instalado no trono pe­lo ditador Franco, apoiado por Hitler e Mussolini, que inundou de sangue a Re­pública espanhola que havia surgido nas urnas em 16 de fevereiro de 1936.
Salim Lamrani é doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos, professor-titular da Universidade de la Reunión e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro se chama Cuba. Les médias face au défi de l’impartialité, Paris, Editions Estrella, 2013, com prólogo de Eduardo Galeano.

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