Menino de 6 anos atravessa Lisboa de bicicleta
Publicado a 31 Oct 2013 em Notícias
Ontem foi
um dia especial para o pequeno Luís que conseguiu atravessar Lisboa de
bicicleta. Acompanhado pelo pai, Luís, de 6 anos, partiu de Oeiras com
destino ao Hospital de Santa Maria, onde iria ter uma consulta de
rotina. Dali seguiu de bicicleta até ao Cais do Sodré. Depois apanhou o
comboio até Algés e ainda chegou a horas à escola no Dafundo.
O Menos
um Carro falou com o pai deste pequeno guerreiro, Bernardo Campos
Pereira, arquitecto e utilizador assíduo da bicicleta, para ficar a
saber mais pormenores desta experiência.
O que mais o preocupou enquanto pai durante o percurso?
A maior
preocupação são os carros, há demasiados e andam demasiado depressa. A
preocupação imediata dos carros leva a uma preocupação latente sobre a
escolha de percursos, onde uma criança de 6 anos pode andar mais à
vontade. Pode-se dizer que em Lisboa é possível fazer isto, optando por
alguns desvios, ainda há muito para melhorar e para chegar ao nível das
restantes capitais europeias.
Quais as maiores dificuldades que o seu filho encontrou no caminho?
As
dificuldades são várias e são todas resultado do planeamento urbano
desta cidade que está excessivamente centrado no carro, não toma em
consideração outros utilizadores da via. As piores situações são a
estação de Alcântara-Mar, o acesso à estação de Alcântara-Terra, a Av.
da República, a Av. Egas Moniz e a saída da estação ferroviária de
Alcântara-Mar.
No
cruzamento da Av. da Índia, que é subterrâneo, não existe uma calha para
bicicletas nas escadas nem uma passadeira na Av. da Índia, apesar desta
ser atravessada por muitos peões e ciclistas a toda a hora, pois é a
“linha de desejo” de quem circula a pé ou de bicicleta, ou seja, o
acesso mais direto e com menos esforço entre um local e outro.
Entretanto
não se pode arriscar atravessar a Av. da Índia com crianças, é uma
autêntica via rápida onde os carros circulam a toda a velocidade em
plena cidade; a solução, portanto, é levar primeiro a minha bicicleta na
escada, parando no patamar intermédio e depois a do meu filho, e com
algum esforço e calma superámos esta barreira inacreditável numa estação
de ligação entre a linha de Cascais e a linha de Azambuja, e os
autocarros da Carris e TST.
Também o
atravessamento da Rua do Prior do Crato para aceder à estação de
Alcântara-Terra não é fácil para uma criança de 6 anos; há carros por
toda a parte e ficam parados no meio do atravessamento, focados nos
semáforos do tráfego e sem nos ver, ignorando e bloqueando a “linha de
desejo” que os peões e ciclistas pretendem percorrer quando seguem pela
Rua João Oliveira Migueis ou a lateral, em direcção à estação de
Alcântara Terra.
Nas ruas
com elevado volume de tráfego motorizado, como na Av. da República,
circulei pela via lateral e o meu filho pelo passeio, pois tem 6 anos e
circula à velocidade de um peão em passo rápido. Como na Av. da
República não tem lateral, a Av. 5 de Outubro é um bom percurso porque
tem pouco tráfego entre a Av. das Forças Armadas e Entrecampos. No geral
– e apesar da rede ciclável ser descontinua e insuficiente -, todo o
percurso resultou muito melhor do que eu pensava.
Os condutores respeitaram a bicicleta?
Respeitam
quando nos vêem ou quando estão atentos. O problema é o excesso de
velocidade de alguns e a imprudência de muitos, outros estão a falar ao
telemóvel ou estacionados onde não deviam. Os cruzamentos e o
estacionamento ilegal são problemáticos para todos, mas a pedalar pela
cidade com uma criança com 6 anos sente-se muito mais esse estorvo e a
velocidade excessiva dos carros.
No caso da
Av. da Liberdade, a acalmia das laterais e o desenho de bicicletas no
pavimento, as ditas “sharrows” e as medidas de acalmia ajudam a
civilizar o comportamento dos automobilistas que manifestaram mais
compreensão e deu para descer quase toda a avenida com bastante calma.
Digo quase porque o atravessamento no último quarteirão não fazia
sentido nenhum para quem segue de bicicleta, então aí não atravessámos a
avenida, mas desviámo-nos para a Rua das Portas de Santo Antão que não
tem carros e apresenta um percurso mais direto do que o ziguezague
ridículo na parte de baixo da avenida.
As partes acalmadas da baixa e o Terreiro do Paço foram muito fáceis.
É um desafio a repetir?
Claro! E espero repetir muitas vezes, com o Luís e toda a família: mãe e irmãos!
Foi um
desafio divertido para chegar e voltar de uma consulta de rotina no
Hospital de Santa Maria. Quando chegámos ao Cais do Sodré, o Luís já
queria saber quando são as próximas consultas no hospital.
Para o Luís, andar de bicicleta em Lisboa é fácil?
Foi muito fácil.
Pensava
que ia ser mais difícil resolver a questão de eu circular na via e ele
no passeio, mas não houve problema e só em alguns casos excepcionais é
que eu tive que circular no passeio. As ciclovias facilitam a circulação
com crianças e as ruas acalmadas ou com restrição de carros são ainda
mais cómodas, porque não há conflitos com peões como há nas ciclovias.
Além disso, os motoristas circulam devagar e são mais atentos à nossa
presença porque circulamos no meio da via. Também é mais agradável
porque há menos carros nessas ruas e os cruzamentos são menos perigosos.
As
condições de transporte de bicicletas nos comboios foi uma grande ajuda
na realização do percurso porque chegámos a Entrecampos de comboio,
evitando quaisquer subidas que podem ser mais cansativas, em especial
para uma criança de 6 anos.
De
Entrecampos até ao Hospital de Santa Maria foi um instante, com parte
sem grande volume de tráfego na Av. 5 de Outubro, outra parte acalmada
na Universidade e grande parte em ciclovia sem desvios inúteis, e um
percurso bastante plano. Chegámos à consulta sem stress, 10 minutos
antes da hora marcada; quando vinha de carro era muito menos previsível
chegar a horas, sempre aflito por causa de engarrafamentos imprevistos,
de não ter onde estacionar, percorrer a distância a pé entre o carro e a
consulta, etc. Por outro lado, facilita ir de bicicleta com uma criança
porque é muito divertido, e para um pai a pontualidade é muito mais
fácil.
O regresso
até ao Cais do Sodré é plano e a descer, portanto não só é fácil, como
também é pedagógico porque vamos vendo a vida da cidade por dentro:
lugares com arquitetura e morfologia urbana muito variada, monumentos e
espaços verdes, autocarros, aviões, comboios, e sobretudo pessoas; tudo
isto suscitou uma conversa muito gira com o meu filho e as imensas
perguntas que isto levanta no imaginário de um rapaz de 6 anos enquanto
atravessa e aproveita a sua maravilhosa cidade.
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