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sábado, 28 de setembro de 2013

"Mutti" ganha de longe pela terceira vez

"Mutti" ganha de longe pela terceira vez


Merkel tem larga maioria, mas terá de se entender com os sociais democratas. Ainda assim, tem condições de decidir o destino da Europa. Por Gianni Carta

por Gianni Carta — publicado 28/09/2013
merkel
Na Alemanha há quem, em lugar de Mutti prefira chamar Merkel de Angela, a Grande

Vencedora nas legislativas de domingo 22, Angela Merkel entrou para a história. De saída, é a primeira vez desde 1957 que um chanceler é eleito três vezes consecutivas na Alemanha. Não se deu nem mesmo com o premier do imediato pós-Guerra, Konrad Adenauer, grande estadista, também ele líder da conservadora União Democrata-Alemã (CDU). Outro fato inédito é este: Merkel é a primeira mulher chanceler. Ademais, embora nascida em Hamburgo, ela viveu os primeiros 36 de seus 59 anos na ex-República Democrática Alemã.
Mulher mais influente do planeta, segundo a revista norte-americana Forbes, a reeleição da chanceler é bem-vinda na Alemanha e na União Europeia (UE). No entanto, apreensões não escasseiam. François Hollande, por exemplo, não pareceu “eufórico” com o resultado do pleito, avalia o website do semanário alemão Der Spiegel. Partidário de uma política de crescimento para a UE, Hollande disse esperar “nossa” contínua “estreita cooperação no desafio de construir a Europa”. 

Eis a questão: será Merkel austera diante da crise econômica e os chamados países do Sul da Europa continuarão a representá-la com o bigode de Hitler, ou ela cederá a resgates para aqueles à beira do precipício, como, de resto, já fez? Segundo Jürgen Habermas, a chanceler pratica “jogo duplo” a níveis europeu e doméstico. O filósofo critica, por exemplo, o fato de ela se opor à criação de uma união bancária para controlar as instituições financeiras. Segundo Habermas, a chanceler não tem “qualquer princípio identificável, e (novamente) eliminou do pleito qualquer dossiê controverso”. Há, porém, quem defenda a existência de método no estilo “flexível” de Merkel, formada em física quântica. Ou poderíamos chamá-lo de método camaleão?

Talvez a carência de debates durante a campanha eleitoral trouxe à tona esse interesse pela vida privada de Merkel, entre outras personalidades, a de Merkel. A CDU e sua aliada igualmente conservadora, a União Social-Cristã (CSU), que obtiveram 41,5% das cadeiras no Bundestag (Câmara Baixa do Parlamento) no domingo 22, não têm inclinações ideológicas tão distintas daquelas do Partido Social-Democrata (SPD). Salvo em dois temas principais: os montantes do novo salário mínimo e dos impostos. Em segundo lugar, no domingo 22, com 25,7% dos votos, o SPD está a negociar, não sem temporizar e a exigir várias concessões, a formação de um governo com a aliança CDU-CSU.
As conversas poderão durar meses, mas mais provável é que o SPD volte a fazer parte de uma grande coalizão como aquela de 2005 a 2009.  Teria sido preferível para Merkel se o Partido Democrático Liberal (FDP), ex-integrante da coalizão de centro-direita juntamente com a CDU-CSU desde o último escrutínio em 2009, tivesse obtido mais votos que o SPD. No entanto, não conseguiu sequer alcançar os 5% necessários para ser representado no Bundestag.  

Nesse contexto político mais ou menos modorrento (os alemães criticam o sul, mas lá a política é pelo menos mais animada), Merkel soube adotar um figurino. Encarnou a Mutti, mamãe, como a chamam seus conterrâneos. Com ela os alemães “estão em boas mãos”, slogan de sua campanha. Para acompanhar o mote, a chanceler adotou até um gesto simbólico: ela junta as pontas dos dedos das duas mãos, de forma que os polegares e indicadores formam um losango, uma espécie de ninho protetor.

A Mutti, protégé do chanceler Helmut Kohl, o pai da reunificação alemã após a queda do Muro de Berlim, encarna perfeitamente o papel. Divorciada, vive com o discreto segundo marido, não tem filhos, salvo, é claro, os milhões de conterrâneos. Durante a campanha essa filha de um pastor alemão e de uma professora de inglês, ambos de esquerda, disse que gosta de cozinhar. Foi fotografada a empurrar um carrinho de supermercado. Descobriu-se, ainda, que sua heroína é Catarina, a Grande, a imperatriz russa do século XVIII, de origem alemã.
Líderes mundiais costumam orgulhar-se de imagens de Napoleão instaladas em seus gabinetes. De qualquer forma, a admiração por Catarina, a Grande, reflete o lado ambicioso dessa chanceler de ares pretensamente modestos. Decerto, não é uma déspota como sua heroína, mas Angela, a Grande, também a alcunham. Haverá quem explique sua vitória graças ao fato de a economia alemã ser o motor da Europa.

O setor bancário continuará a precisar de reparos devido à sua baixa lucratividade e por estar exposto às dívidas da Zona do Euro. As exportações de produtos e commodities das sólidas fábricas e da sofisticada agricultura dependerão da Eurozona e de uma economia asiática arrefecida. Mesmo assim, com um crescimento de 0,9% em 2012, a Alemanha escapou da recessão e da crise europeia que assola o resto do continente. O nível de desemprego é de 5,4%, ante uma média de 10,9% no resto da Europa. Entre jovens alemães a taxa de desemprego é de 7,5%, no resto da UE a média é de 23,2%.

Embora tenha tomado medidas de austeridade que continuaram a manter a Alemanha economicamente estável, Merkel não é responsável por todos esses indicadores. É preciso, no entanto, dar-lhe um desconto. A chanceler governou em uma época em que teve de dar prioridade a um euro em apuros. Isso em detrimento da economia doméstica.
Na verdade, foi Gerhard Schroeder, ex-líder do SPD e chanceler, derrotado nas legislativas de 2005, foi o primeiro a impor programas de austeridade, e por isso colheu o revés. Por sua vez, Peer Steinbrück, ex-ministro de Finanças do SPD na grande coalizão com a aliança conservadora CDU-CSU, de 2005 a 2009, também teve de aprovar medidas econômicas austeras. Por essas e outras, o SPD, que obteve, vale recapitular, 25,7% dos votos no domingo 22, ante 34,2% em 2005 (contra os então 35,2% da CDU-CSU). Em miúdos, as reformas normalmente implementadas por um governo de centro-direita foram feitas pela centro-esquerda.
Um SPD no governo é diferente daquele na oposição. Por ora, Steinbrück diz alto e claro que não fará parte de um novo governo liderado por Merkel. O SPD alerta para a crescente desigualdade social no país. A extrema-direita alemã pode não ter o alcance nacional que tem a francesa, mas seus tentáculos se expandem pelo leste alemão. Ainda segundo o SPD, falta solidariedade por parte de Merkel com países como a Grécia. A chanceler, contudo, aprovou programas de resgate da Grécia quando se deu conta de que uma saída daquele país do bloco econômico europeu poderia ter um impacto fatal sobre o euro.

Merkel não é exatamente “lenta” e “isenta de visão”, como dizem seus detratores. É pragmática e calculista – e por isso faz a política do camaleão. Aplica a teoria de física quântica, passo a passo, na política doméstica e internacional. Por exemplo, após o desastre nuclear de Fukushima em 2011, no Japão, ela abandonou o poder nuclear e deu prioridade a políticas energéticas renováveis. E assim neutralizou os Verdes, com eles agora poderia fazer uma coalizão, que, no entanto, jamais seria aceita pela sua aliança conservadora. Mas nem o SPD está em bons termos com os Verdes. E os social-democratas também excluem o Partido de Esquerda (Die Linke), considerado demasiado radical. Líderes europeus esperam que o SPD arrefeça os programas de austeridade de Merkel. Mas Mutti, ou Angela, a Grande, entronizada no domingo 22, tem as cartas na mão para o futuro da Europa.

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