Cultura conservadora favorece torturas
Sociedade amedrontada e sensacionalismo da mídia corporativa contribuem para violações contra presos
1º/08/2013
Patrícia Benvenuti
da Redação
As más condições dos presídios estão entre as maiores violações cometidas pelo Estado brasileiro ao longo de sua história. Episódios como a chacina do Carandiru e seus 111 mortos, em 1992, não foram suficientes para dar condições dignas às unidades prisionais.
Relatórios do Departamento Nacional Penitenciário (Depen) mostram que degradação de instalações, abusos contra presos, superlotação e falhas no atendimento de saúde são problemas comuns do sistema carcerário. De acordo com os dados divulgados pela BBC Brasil, em 11 das 56 unidades inspecionadas em 2012 havia indícios de tortura e maus tratos contra os presos.
Para o advogado e coordenador do Programa de Justiça da Conectas, Rafael Custódio, a existência de violações contra detentos são resultado de uma cultura que não considera o preso como um cidadão de direitos. “Ainda se tem a ideia de que o preso é um não cidadão, de que fez algo tão grave que tem que ser submetido à violência”, analisa. Se os presos são hoje as principais vítimas da tortura no país, também é possível afirmar que é sobre as camadas mais pobres que recaem as violências, como ressalta o assessor jurídico da Pastoral Carcerária e integrante do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, José de Jesus Filho.
“Temos uma cultura autoritária, especialmente com a população mais pobre, de baixa renda, negra, periférica e de baixa escolaridade. Essa população é alvo predileto dos torturadores”, afirma. De acordo com o Depen, o país mantém hoje 550 mil pessoas encarceradas em presídios, com um déficit de 240 mil vagas.
O integrante da Pastoral Carcerária atribui ainda a continuidade da tortura ao clima de medo que permeia a sociedade e ao sensacionalismo da mídia corporativa. Ambos, na sua avaliação, estimulam os agentes públicos a utilizarem métodos violentos para arrancar confissões – sejam os torturados culpados ou inocentes.
Segundo um levantamento feito em 2010 pela professora Nancy Cardia, do Núcleo de Estudo da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), 52,5% da população era favorável à aceitação de provas obtidas por meio de tortura.
“No Brasil, a polícia não é pressionada para encontrar a verdade, e sim para encontrar um culpado. Diante da tortura, a pessoa pode dizer o que fez e o que não fez. O caso Tayná é típico”, salienta.
Ela se refere à história dos quatro homens que foram barbaramente agredidos para confessar o assassinato de Tayná Adriane da Silva, de 14 anos, em Colombo (PR). Eles foram espancados, asfixiados com saco plástico, levaram choques elétricos em diversas partes do corpo, tiveram a cabeça colocada dentro de um formigueiro e sofreram abusos sexuais. Por fim, a perícia constatou que os detalhes das confissões, assinada pelos quatro após as torturas, não eram compatíveis com as provas físicas encontradas.
Para José de Jesus Filho, se a imprensa comercial e parte da sociedade dão aval aos torturadores, o mesmo fez o Superior Tribunal Federal (SFT) em 2010 ao estender a Lei de Anistia aos torturadores da ditadura civil-militar (1964-1984).
“Quando o STF absolveu os torturadores, ele disse para os potenciais torturadores: se vocês torturarem, nós estamos aqui para perdoá-los”, destaca.
A agressão física, porém, não é o único tipo que pode ser enquadrada como tortura. A violência psicológica também causa danos. Entretanto, essas situações são ainda mais difíceis de serem constatadas e denunciadas.
“A tortura de estar em uma unidade prisional sem água, educação e trabalho é ainda mais complicada porque não deixa marcas físicas”, argumenta Rafael Custódio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário