O Big Brother público-privado
Por Timothy Garton Ash em 02/07/2013 na edição 753
Reproduzido do Estado de S.Paulo, 1/7/2013, tradução Anna Capovilla; intertítulo do OI
As revelações de Edward Snowden sobre e enorme operação de
monitoramento de dados das agências americanas e britânicas de
espionagem eletrônica mostram que, em sua maior parte, a origem da
informação é de fontes privadas. É o que as agências fazem
frequentemente, vasculhando as pilhas de dados reveladores que nós
mesmos concordamos em compartilhar com as gigantescas companhias do
mundo da tecnologia da informação – em geral clicando o botão “aceito”
referente a um documento sobre termos que nunca lemos.
O que os órgãos que nos espionam coletam diretamente, por agentes
secretos e afins, é apenas uma minúscula proporção do que conseguem
pelos meios eletrônicos destas fontes comerciais. A conclusão é
evidente: se o Big Brother voltar no século 21, o fará como uma parceria
público-privada.
Quase toda a infraestrutura do mundo conectado eletronicamente pertence
a empresas privadas. As nossas rodovias podem ser estatais, mas nossas
super-vias da informação são privadas. Portanto, por exemplo, a agência
de espionagem britânica, GSHQ, em Cheltenham, tem acesso ao conteúdo de
cabos de uma supercapacidade usados nas comunicações que passam pela
Grã-Bretanha graças a acordos secretos com as companhias às quais
pertencem. Segundo matérias publicadas nos jornais Guardian e Washington
Post, o programa Prism da Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA)
garantiu a cooperação da Microsoft, Yahoo, Google, Facebook, Skype,
YouTube e Apple.
Todas essas companhias estão interessadas em conhecer o máximo de dados
referentes às pessoas que usam os seus produtos – mas para seus
próprios fins, não para o Estado. A razão aceitável pela qual elas fazem
um monitoramento tão minucioso de nós, usuários, é para nos oferecer o
melhor serviço. Eu gosto que minhas buscas no Google me proporcionem os
resultados mais importantes. Gosto que a Amazon me apresente sugestões
de livros, porque na maioria das vezes são sugestões muito
interessantes.
Bom começo
Entretanto, há também um motivo inquietante. Principalmente se não
cobram diretamente pelos serviços que elas oferecem, muitas destas
companhias lucram com a venda do usuário aos anunciantes. Quanto mais
elas conhecem a respeito dos seus hábitos, gostos e desejos íntimos,
mais posicionadas estarão para oferecê-lo como alvo de publicidade
personalizada. Se o usuário procurar, por exemplo, panteras cor de rosa –
imediatamente começarão a pipocar na tela anúncios sobre panteras cor
de rosa.
Essa acumulação para fins comerciais de informações estritamente
pessoais é muito preocupante. O fato de Facebook, Google e outros
procurarem nos tranquilizar a esse respeito não é suficiente. Afinal,
ficamos sabendo de que eles trataram de compartilhar parte destas
informações a nosso respeito com os organismos de espionagem. Admito que
eles o façam de maneira involuntária – embora seja assustador saber que
o diretor de segurança do Facebook, Max Kelly, foi contratado pela NSA.
Várias das companhias citadas pelo Guardian e pelo Washington Post
responderam que nunca tinham ouvido falar do Prism, mas ofereceram dados
sobre o total dos pedidos de aplicação da lei nos EUA recebidos nos
seis meses até o fim de maio, na maior parte relacionados a casos
criminais e não à Lei de Vigilância da Inteligência Externa (Fisa).
Portanto, o Tio Sam pediu informações a respeito de cerca de 31 mil a 32
mil usuários da Microsoft, 18 mil a 19 mil usuários do Facebook, e até
de dez mil contas da Apple.
Será muito ou pouco? Se o usuário for você, é muito. A quantidade e a
intimidade do que os espiões e as companhias juntas sabem a respeito da
gente ultrapassa o sonho mais excitante de um general da Stasi. Mas
Grã-Bretanha e Estados Unidos não são países totalitários. Nós
enfrentamos uma ameaça concreta por parte de indivíduos radicais e
escorregadios, conforme os autores dos atentados da Maratona de Boston e
do assassinato em Londres de um soldado de folga já demonstraram. Eles
são mais difíceis de ser descobertos do que um arsenal nuclear
soviético.
Entretanto os governos britânico e americano não podem simplesmente
afirmar que a garantia da nossa segurança é o fim que justifica os
meios. Não é suficiente que eles reiterem que tudo se dá de acordo com a
lei – particularmente quando as leis usadas, como a Lei Reguladora do
Poder de Investigação da Grã-Bretanha, são extremamente elásticas. É um
insulto procurarem nos amansar com a frase “Nunca comentamos assuntos de
inteligência”.
Há vários detalhes operacionais nos quais devemos sempre confiar, mas
numa democracia cabe a nós, os cidadãos, fundamentalmente julgar onde se
encontrará o equilíbrio entre segurança e privacidade, segurança e
liberdade. Nossas vidas e as nossas liberdades estão ameaçadas, não
apenas pelo terrorismo, mas também pelas maciças depredações da nossa
privacidade em nome do contraterrorismo. Se as companhias que os
governos utilizam para conhecer nossas informações mais íntimas quiserem
mostrar que ainda estão do lado dos anjos, deverão unir-se a esta luta
também pela transparência. Um bom começo seria oferecer mais
transparência a respeito dos dados que elas coligem a nosso respeito.
Nosso “direito à informação” não se aplica apenas aos governos.
***
Timothy Garton Ash é professor de Estudos Europeus na Universidade de Oxford, onde dirige o site www.freespeechdebate.com, e pesquisador sênior da Hoover Instituition, na Universidade Stanford
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