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segunda-feira, 29 de abril de 2013


É preciso contar a verdadeira história da Palestina

Deir Yassin, como acontecimento e como representação política, permanece como componente decisivo da luta palestina por liberdade, mas a história da qual o massacre faz parte continua a sujeitar-se ao preconceito – ou, mais especificamente, ao racismo – da academia e da mídia
29/04/2013
Ramzy Baroud*
(Tradução: Baby Siqueira Abrão)

No início de abril os palestinos do mundo inteiro relembraram o massacre de Deir Yassin, ocorrido em 9 de abril de 1948. Na consciência palestina, o massacre, que tirou a vida de mais de 100 pessoas inocentes, representou a face cruel do sionismo – a base ideológica sobre a qual o Estado de Israel foi fundado. Ao longo dos anos, as lembranças aterradoras associadas a Deir Yassin transformaram-se em algo mais do que sua representação imediata como ato criminoso deliberado, com objetivos políticos, e sobreviveram como uma cicatriz permanente no centro de uma memória coletiva carregada de muitos massacres como o de Deir Yassin.
Deir Yassin, como acontecimento e como representação política, permanece como componente decisivo da luta palestina por liberdade, mas a história da qual o massacre faz parte continua a sujeitar-se ao preconceito – ou, mais especificamente, ao racismo – da academia e da mídia.
O massacre de Deir Yassin é amplamente aceito no pensamento israelense e ocidental porque os líderes sionistas da época desejavam destacá-lo como uma tática terrorista bem-sucedida para tirar centenas de milhares de palestinos das terras que lhes pertenciam. Entretanto, outros massacres cometidos pelas forças sionistas durante a Nakba (catástrofe) palestina passam ao largo do conhecimento israelense e ocidental sobre a Palestina e sua história encharcada de sangue, e isso porque esses massacres foram contados, em sua maioria, apenas pelos palestinos.
Trata-se de uma tragédia na qual nem a vítima obtém justiça nem sua vitimização é admitida por aquilo que foi e é. Muitos massacres cometidos contra palestinos estão ocultos porque, a menos que sejam reconhecidos por historiadores israelenses, para as audiências ocidentais é como se eles nunca tivessem acontecido.
Somente quando o jornalista israelense Amir Gilat decidiu publicar um artigo, alguns anos atrás, no jornal israelense Ma’ariv, citando a pesquisa de Theodore Katz, estudante de pós-graduação de Israel, foi que a mídia ocidental reconheceu, ou ao menos concordou em debater, o massacre de Tantura. Pouco lhes importou que descendentes e familiares das 240 vítimas dessa vila destroçada, assassinadas a sangue-frio pelas tropas da Brigada Alexandroni, nunca cessassem de relembrar seus entes queridos.
Ao longo dos 65 anos da conquista sionista da Palestina e do início do “problema dos refugiados palestinos” – que também pode ser lido como “genocídio” por quem ousa enfrentar as sensibilidades israelenses-ocidentais –, a história da Palestina vem sendo filtrada pelos mesmos mecanismos de décadas atrás. No entanto, é hora de o direito à narrativa verossímil, até agora reservado aos historiadores israelenses, ser assumidamente desafiado.
Quem cavar fundo o texto histórico palestino ficará admirado com a história verdadeira de seu povo, suas muitas tragédias e suas volumosas, fascinantes narrativas de uma civilização profundamente arraigada, insuperável em suas singularidade e continuidade históricas. A representação – ou falsificação – da narrativa palestina, porém, existe na academia, na mídia e até mesmo na imaginação popular ocidentais, tecida por um “conhecimento” cuidadosamente fabricado com o qual os narradores israelenses gentilmente decidiram revesti-la. Remova-se o vínculo israelense com a compreensão ocidental sobre tudo o que diz respeito à Palestina e ter-se-á um espaço vazio de textos desconexos que têm muito pouco de um discurso alternativo.
O caso de Deir Yassim foi largamente aceito como massacre porque historiadores israelenses como Benny Morris – um pesquisador razoavelmente honesto que permaneceu comprometido com o sionismo, a despeito da história macabra que ele mesmo descobriu – admitiram sua existência como fato histórico. “Famílias inteiras foram perfuradas por balas [...] homens, mulheres e crianças foram chacinados à medida que saíam de suas casas; indivíduos eram postos de lado e assassinados. A inteligência da Haganah relatou: ‘Havia pilhas de mortos. Alguns dos detidos, levados a locais de encarceramento, incluindo mulheres e crianças, eram cruelmente assassinados por seus captores [...]”.
Foram as milícias sionistas do Irgun, de Menachem Begin, e da Stern Gang, lideradas por Yitzhak Shamir, que receberam o crédito pela infâmia cometida naquele dia – e ambos os líderes foram generosamente recompensados pela atrocidade de seus atos. Anos depois, esses homens passaram da condição de criminosos procurados para a de primeiros-ministros.
O massacre de Tantura tem uma boa chance de deixar de ser mera ficção palestina e tornar-se história verdadeira porque um estudante israelense resolveu desafiar o discurso oficial de seu país, que insiste em retratar Israel como um oásis de democracia e de pureza histórica.
Numerosas vilas palestinas e seus habitantes, submetidos ao genocídio de 1948 (conhecido, nos círculos polidos, como “limpeza étnica”), não conseguiram fazer o corte histórico, como se continuassem a esperar que um historiador israelense validasse a afirmação de que esse genocídio realmente ocorreu.
Numa comunicação recente, o dr. Salman Abu Sitta, um dos principais historiadores palestinos da Nakba, disse: “A ironia é que aquilo que o suspeito Benny Morris e o respeitado Ilan Pappé escreveram é o que os palestinos vêm dizendo há mais de seis décadas. A mídia dominada pelo sionismo é surda e muda. Trata-se do orientalismo em sua pior forma”. Sem dúvida.
O assunto, entretanto, é tão relevante hoje como era há 65 anos. Os descendentes dos que sobreviveram à Nakba e às subsequentes guerras e massacres são, em sua maioria, refugiados na própria Palestina ou em outros países do Oriente Médio e do mundo. Nem seus ancestrais receberam justiça, nem a geração atual obteve a restituição do que pertencia a seus ascendentes. De Deir Yassim a Tantura, de Ain Al Hilweh a Yarmouk e Jabalya, a escala de sofrimento é a mesma, e permanente.
Mas isso precisa mudar. Sem uma narrativa palestina autêntica, isenta de adulterações, nenhum entendimento verdadeiro da Palestina e de seu povo – até mesmo por aqueles considerados simpáticos à causa palestina – pode ser alcançado. Uma narrativa centrada em relatos que reflitam a história, a realidade e as aspirações da gente comum permitirá uma compreensão genuína da verdadeira dinâmica que move o conflito. Essa narrativa, que faz justiça a toda uma geração de palestinos, é poderosa o bastante para desafiar a parcialidade e a polarização atuais.
Deir Yassin deve ser tão relevante para o presente como essencial para revelar o passado. Não apenas existiram muitos massacres como Deir Yassin, de variadas formas, como Deir Yassim é o microcosmo de um drama muito maior, que continua acontecendo na Palestina. Se o Deir Yassin original, e outros massacres, forem desprezados, considerados anomalias históricas irrelevantes, então o presente permanecerá contaminado e incompreendido.
É tempo de os historiadores palestinos darem um passo adiante e reivindicarem o que é, essencialmente, a sua narrativa, desafiando os preconceitos da mídia e avançando, com coragem, além dos limites permitidos por Israel, desafiando também, portanto, o controle intelectual sobre o discurso palestino.

*Ramzy Baroud, palestino da diáspora, é colunista internacional e editor do sitePalestine Chronicle (http://palestinechronicle.com). Seu mais recente livro é My Father Was a Freedom Fighter: Gaza’s Untold History [Meu pai era um revolucionário: a história não contada de Gaza], publicado pela Pluto Press.

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