O jornal Russkie Vedomosti, por exemplo, escrevia depois do pogrom dos sérvios em Sarajevo que nesse momento o império dos Habsburgos demonstrou “ao mundo civilizado um quadro demonstrativo da bestialidade que é desenvolvida pela mente humana permanentemente atiçada na fogueira de uma luta étnica acesa e implacável”.
“Na Áustria há muito que os interesses dessa luta se sobrepuseram a todos os outros interesses da vida social. As nacionalidades declararam umas às outras uma guerra eterna sem sono nem descanso; os seus acordos são normalmente alianças de duas etnias contra a terceira, ou um cessar-fogo temporário até ao recomeço das hostilidades.
Havia a esperança que a reforma democrática da lei eleitoral, ao transferir o centro de gravidade da luta parlamentar para os interesses econômicos das largas massas populares, iria aliviar o antagonismo étnico. Mas essas esperanças ainda não foram cumpridas. Pelo contrário, as correntes nacionalistas conquistaram novas posições”.
O Russkoie Slovo apelida o arquiduque Francisco Fernando de nacionalista austríaco convicto, antissemita, clerical e “alma” das perseguições aos eslavos da Bósnia e Herzegovina, cuja subida ao trono era aguardada com temor pelos povos da Áustria.
"Este não é um caso de loucura, é uma catástrofe, um resultado gritante da política nacional austríaca. As perseguições sistemáticas pelos chauvinistas imperiais austríacos aos povos protegidos, a discriminação das escolas nativas, da língua e da cultura dos povos unificados, numa palavra o nacionalismo militante, essa úlcera eternamente infetada do império unificado – esta é a atmosfera intoxicada por sentimentos misantrópicos, este é o terreno em que desenrolou esta catástrofe de pesadelo”.
Mas o que escrevia a imprensa do outro lado? O tom geral dos artigos nos jornais de Berlim e de Viena é hostil à Sérvia e ao eslavismo.
O Berliner Tgb escreve: “O crime foi gerado pela hostilidade sérvia contra a Áustria. O casal de arquiduques tombou vítima da acesa inimizade cultivada no povo sérvio pela política austríaca dos últimos anos”.
Os jornais vienenses afirmam sem cessar que a Sérvia preparava na Bósnia uma série de atentados através de um partido organizado. O Reichspost vai mais longe: “Não devemos esquecer que Belgrado foi comandado pela Rússia em todas as suas manifestações visíveis e invisíveis”.
Essas acusações provocaram uma impressão muito desagradável em São Petersburgo. Nos círculos dirigentes se diz que “por maior que seja o pesar da Áustria, a imprensa alemã não devia ultrapassar neste caso os limites do admissível”.
Outro jornal de Viena, o jornal militar Danzer's Armee-Zeitung, apela: “Regozijai, inimigos da Áustria! Vocês tiveram realmente sorte! Vocês esmagaram a nossa confiança no futuro. Vocês, cães, sabiam talvez melhor que nós, os austríacos, que Francisco Fernando era vosso inimigo e iria correr convosco como com um rebanho de carneiros e iria voltar a incutir-lhes o medo perante a Áustria. E vocês mataram-no por isso. Todos os elementos desleais devem ser corridos até à morte, perseguidos com cães e vamos repovoar o país. Quanto à Sérvia, o autor moral dessa conspiração, devemos vingar-nos dela já, imediatamente!”
O alemão Vossische Zeitung escreve que no falecido estavam depositadas as esperanças de milhões: “Ele sabia quem eram as pessoas a quem se devia entregar o governo do país e do exército, conhecia as necessidades do Estado. Agora foi tudo destruído. A morte do herdeiro do trono se transformou numa terrível tragédia, e não se vê ninguém que possa trazer à Áustria tempos mais tranquilos. Só se ouve o sibilar de regozijo daqueles de cujo meio foi desferido o golpe”.
O órgão do partido agrário alemão Tageszeitung considera necessário sublinhar que o futuro da Áustria e da Hungria é nebuloso. A situação do império foi ensombrada pela preocupação e pela incerteza.
Mesmo o jornal húngaro bastante moderado Magyar Hizlaga reconhece: “Nós nunca pertencemos aos que exigiam escorpiões para os sérvios, nunca pregamos por uma campanha contra a Sérvia. Mas perante esta catástrofe nós devemos reconhecer que estamos perante um dilema cuja resolução não permite hesitações: ou nós saberemos incutir na Sérvia um sentimento de respeito perante nós, ou iremos sucumbir”.
Era assim que funcionava a propaganda dos países adversários. Isso, infelizmente, só ateava mais a fogueira de uma futura guerra sangrenta.